sábado, 24 de fevereiro de 2024

A miss eterna

 

           Sou de um tempo em que o tradicional concurso de Miss Brasil chamava à atenção de todos, ainda hoje realizado anualmente sem o mesmo brilho, e que visa eleger uma representante da beleza feminina de cada unidade federativa do país. Em seguida, a vencedora vai disputar a edição de Miss Mundo.

            Destacando-se, nesse certame, Marta Rocha (1932-2020), a miss eterna de espetacular beleza e imensa sintonia com os fãs, a quem encheu de alegria e orgulho quando tudo no Brasil dava errado.

            Imagine um país em momento de alta turbulência política, com o moral machucado por derrotas futebolísticas e em posição subalterna diante dos Estados Unidos, a grande potência ocidental. Assim era o Brasil em 1954, quando a baiana Marta Rocha, declarados 18 aninhos, despontou na passarela com sua beleza esplendorosa e sorriso contagiante, e dali alçou voo, levando nas asas a chance de lustrar a autoestima nacional.

            Eu sei! Quase deu certo. A morena de 1,70 metro, cabelos claros e impactantes olhos azuis, vencedora incontestável do primeiro concurso de Miss Brasil em décadas, recebeu a faixa de segundo lugar no Miss Universo – realizado em Long Beach, na Califórnia, e vencido por uma americana sem graça, Miriam Stevenson.

            É curioso, para dizer o mínimo, uma história inventada no calor da coroa perdida, a de que Martha só não ganhou porque tinha 2 polegadas (5 centímetros) a mais no quadril do que as regras permitam, o que salvou a honra brasileira. Ela foi abraçada na volta por uma população encantada com sua musa e assim passou a vida, sempre miss, sempre linda, até adoecer, se recolher e, finalmente, falecer.

            Faço um adendo: na noite da quase vitória de Martha Rocha, em Long Beach, 24 de julho de 1954, a seleção brasileira tinha sido recém-desclassificada, nas quartas de final, da Copa do Mundo da Suíça – isso com a nação de chuteiras ainda sentindo com a derrota para o Uruguaia na final de quatro anos antes, em pleno Maracanã.

            E como não bastasse, a política atravessava ondas de choque, diante da enxurrada de denúncias cada vez mais graves, e em tom cada vez mais desafiador, que encostava na parede o presidente Getúlio Vargas. Vindo a se suicidar exatamente um mês depois, no Palácio do Catete, no Rio.

            Mas olha só, com tanta coisa ruim em volta, Martha Rocha era o respiro popular, perfumado por sua aura de deslumbre e carisma.

            Depois de cultivar durante décadas a balela das 2 polegadas, inventada por um jornalista para pacificar os leitores, ela mesma desmentiu a história em sua autobiografia: “Nos Estados Unidos, ninguém me tirou as medidas”. Nem fazia mesmo o menor sentido: a vencedora tinha exatamente os mesmos 96 centímetros de quadril.

            Mesmo sendo unanimidade nacional, com direito a marchinhas de Carnaval, torta, bichos em zoológicos e modelos de carro com seu nome, Martha teve uma vida de altos e baixos, mas sempre, sempre sem perder a majestade.

 

                                              LINCOLN CARTAXO DE LIRA

Prêmio da beleza

 

            Meu velho amigo Cordeiro, como sempre inteligente e bom humor, enquanto arrumava os óculos Ray-Ban no rosto, disse-me que “A beleza é o capital da mulher, e o capital é a beleza do homem”.

            Confesso: fiquei curado de meu sentimento de ignorância a respeito dessa citação. Tive uma “cura mental”, seja lá o que for isso. Mas, peraí, temos de ter cuidado com tal estereótipo. Pode parecer engraçado. Para muitos, pode soar como coisa menor.

            Os antigos achavam que o homem ideal deveria ser trabalhador, inteligente e dedicado à família. Como não precisava ser perfeito, podia ser feio. Já a mulher, inconstante, ingênua, curiosa e faladeira, tinha de ser bonita.  Não é por acaso que “As feias que me perdoem, mas a beleza é fundamenta”, já reverberava Vinícius de Morais. Garante o provérbio americano “Se o olho não admira, o coração não deseja”. É por isso que “A feiúra é o grande aliado da castidade” e “Mulher bonita já nasce noiva”.

            A vantagem de que elas gozam é significativa. Há pesquisas mostrando que gente atraente tende a ganhar mais, receber melhores avaliações na escola e no trabalho, vencer mais eleições e até a relatar maiores níveis de satisfação com a vida (felicidade). Mesmo quando pisam na bola e vão a julgamento, as bonitas têm maiores chances de ser inocentadas. 

            Mas não só isso: o fenômeno, conhecido como “prêmio beleza”, pode ser quantificado. O economista Daniel Hamermesh estimou que, nos EUA, pessoas cuja aparência é considerada acima da média conseguem salários de 10% a 15% maiores que os de seus pares menos afortunados. Gente atraente tende a ter melhor desempenho em áreas como vendas e relações públicas, sem mencionar carreiras artísticas.

            A correlação parece injusta. Mas está de acordo com o senso comum. Pode se estender a alguns dos cargos mais poderosos nos negócios. CEOs de bancos mais atraentes recebem salários melhores, de acordo com acadêmicos finlandeses que também estudaram o setor nos Estados Unidos.

            Pelo visto, a beleza está nos olhos de quem vê, mas, nos negócios, os benefícios são destinados principalmente para aqueles que a têm.

            O difícil é convencer o cérebro que as curvas do rosto dizem algo sobre o caráter e a inteligência de uma pessoa. Ou seja: convencê-lo de que essa relação é deverasmente espúria.

 

 

                                                      LINCOLN CARTAXO DE LIRA

                                                      

O marinheiro Popeye

 

           Sim. Eu tive um mundo de quadrinhos, quase que literalmente. Onde me divertia, e onde me informava também. Razão pela qual tive uma infância privilegiada cheia dessas estórias, notadamente com o marinheiro Popeye e a sua trupe. Ele se projetava como guru forte e confiante.

            Esse personagem tão adorado completa 95 anos comendo latas de espinafre e fazendo sucesso. Popular nos jornais e na TV, ele fez as pessoas se alimentarem bem, mas não largou o cachimbo nem as brigas.

            Poucas pessoas sabem que o personagem do Popeye (Arm Wrestle) realmente existiu. Seu nome verdadeiro era Frank “Rocky” Fiegel, nascido na Polônia em 1868, emigrou com a família para a América onde ingressou na Marinha.

            Ele quando estava com crianças, segurava o cachimbo com o canto da boca e contava-lhes as travessuras da sua juventude, muitas vezes gabando-se de sua força física e afirmando em voz alta que o espinafre é o alimento que o torna invencível.

            O criador do personagem do Popeye, Elzie Crisler Segar, nasceu em Chester e foi uma das crianças que teve o privilégio de ouvir ao vivo as histórias do ex marinheiro.

            É decerto notável que suas características são engraçadas e inconfundíveis: com braços grossos, caolho, e rosto deformado, e usa sempre um cachimbo no canto da boca. Sua arma secreta é uma lata de espinafre usada sempre nos momentos de perigo. Está constantemente salvando sua namorada Olívia Palito das perseguições de Brutus.

            “Eu sou marinheiro Popeye”, sua marca musical, é um cara cheio de boas intenções que acaba de desembarcar em Sweethaven, uma cidadezinha portuária onde conhece aqueles que serão seus melhores amigos, incluindo um homem viciado em hambúrgueres e Olívia Palito, que se torna sua amada. Porém, há quem não queira fazer bem ao povo local, e para protegê-los Popeye precisa da força fornecida pelo espinafre, uma comida que ele detesta.

            Além do espinafre, há outros motivos que tornam Popeye especial. Ele foi o primeiro personagem de quadrinhos a ganhar uma estátua pública. Isso foi em 1937, em Crystal City, uma cidade de produtores de espinafre no estado DO Texas.

            Popeye virou até filme em 1980, gênero comédia musical, dirigido por Robert Altmar, com destaque para indumentária dos personagens de um esmero sem igual, com recriação muito fiéis do que víamos na versão animada. Conseguindo cativar pelo humor infantil e pela lembrança sobre o clássico figurante.

            No baú das minhas recordações as aventuras de Popeye serão sempre lembradas com alegria e nostalgia.

 

                                         LINCOLN CARTAXO DE LIRA

           

           

O mestre Paulo Freire

 

            Para início de conversa, os especialistas debatem o legado de Paulo Freire e a necessidade de a escola abordar sua concepção.

            Nunca é demais lembrar que o método de Paulo Freire enfatizava a importância de trabalhar a alfabetização como um processo político, em que a leitura e a escrita são instrumentos de libertação e empoderamento dos oprimidos.

            Ele tinha a inteligência de apontar as mazelas da sociedade, acelerados pelas desigualdades sociais, mas buscava saídas através da educação.

            Em 1963, foi feito em Angicos (RN) a primeira aplicação em grande escala do método de alfabetização desenvolvido pelo educador Paulo Freire. Em 40 horas, trezentas pessoas foram alfabetizadas.

            Os recursos para esse projeto vieram de um convênio do governo do Rio Grande do Norte com o Ministério da Educação e Cultura, a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e a Agência dos Estados Unidos para o desenvolvimento Internacional (Usaid).

            Detalhe: como Freire temia intervenções no seu trabalho, exigiu autonomia pedagógica e política, o que lhe foi garantido.

            Parte do método dele consistia em substituir a aula expositiva pelo diálogo, com o professor provocando os estudantes a contarem o que pensavam sobre assuntos do seu cotidiano. O objetivo era aprofundar a consciência crítica, uma novidade em relação aos processos de alfabetização praticados até aquele momento.

            No discurso de encerramento da experiência em Angicos, disse Freire: “O que importa então na educação é propiciar a este homem uma via crítica de saber, através de que ele transforme um saber puramente opinativo e existencial num saber puramente reflexivo, e isto ele faz rapidamente”.

            E eu lhes digo: o professor Freire tinha um raciocínio que desarmava os que tentavam atacá-lo, tinha currículo, para muitos causavam inveja mesmo! Sua voz causava furor no país.

            Existe uma avaliação que, se o projeto de Paulo Freire tivesse continuado, a quantidade de analfabetos hoje no Brasil seria equivalente à de países como a Suíça, onde representa apenas 0,4% da população. Atualmente, aqui, 5,6% dos brasileiros com 15 anos ou mais (9,6 milhões de pessoas) ainda não sabem ler nem escrever, de acordo com o Censo de 2022. Do total de analfabetos, 55,3% vivem na Região Nordeste.

            Seria risível, não fosse trágico, que Paulo Freire fosse uma ameaça para a nossa democracia. Simplesmente pelo fato de trazer conhecimentos às pessoas.

            É no mínimo estreiteza intelectual não reconhecer o papel de Paulo Freire na educação no Brasil.

 

                                  LINCOLN CARTAXO DE LIRA

 

Despedida das emissoras AM

 

            O processo de migração dessas emissoras para frequência modulada começou há 10 anos, com um decreto que definiu as regras para a “extinção do serviço de radiofusão sonora em ondas médias de caráter local” – ou seja, das transmissões em AM – até 31 de dezembro de 2023.

            É interessante saber que no Brasil, as primeiras transmissões AM surgiram com a emissora de Roquette – Pinto, que em 1923 fundou a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro.

            As rádios que operam em AM alcançam uma área maior, porém estão bem mais sujeitas a interferências e ruídos. Por outro lado, rádios FM cobrem uma área menor, mas contam com aumento significativo na qualidade. Além disso, alguns aparelhos mais novos, como celulares e tablets, não sintonizam AM.

            Outrossim, ao longo dos anos, o rádio resistiu e se adaptou à chegada dos novos aparelhos tecnológicos. E assim vai, e vai longe.

            Confesso que sou um apaixonado pelo rádio, e que sempre me acompanhou e instigou. É um deleite muito pessoal. É minha praia.

            Ainda carrego na memória, quando garoto, residindo em Cajazeiras, eu já tinha essa predileção (pelo rádio). Ficava horas e horas extasiado em escutar as músicas da Jovem Guarda, as belas crônicas ao meio dia do meu professor Antônio de Sousa, até a missa dominical no sítio Zé Dias pertencente aos meus avós.

            O rádio sempre teve aquela magia de interação que até hoje nenhuma outra forma de comunicação conseguiu bater, nem as mídias sociais conseguem esse feito.

            Isto é: você faz uma pergunta e já vem um monte de resposta, o cara pede uma música e logo em seguida é tocada na mesma hora.

            A informação é instantânea, o rádio está sempre ligado o que ocorre por este mundo afora, mandando recado o tempo inteiro, verdadeiro bate-papo – num diálogo rápido e informal.

            Sim. O rádio é seu companheiro, é seu amigo. Quando você tem um rádio ligado, você não se sente sozinho. Por isso, continuo fiel ao antigo hábito de ouvir rádio.

            Nota-se que o maior desafio para quem trabalha no rádio é a velocidade de sua locução, às vezes não tem tempo nem de sentar e ver o que dá para ser feito. Tudo é muito repentino. E a locução tem que ser feita com qualidade, bem ou mal, a credibilidade está em jogo.

            Tem uma máxima que traduz bem essa profissão: “Fazer rádio é um eterno vício para quem verdadeiramente nasceu radialista”.

            Olhando para a frente, acredito que o rádio, agora só FM, será eterno com o tempo.

 

                                    LINCOLN CARTAXO DE LIRA

A luta contra o racismo

 

            Infelizmente volto ao tema, tratado por este articulista noutros artigos aqui publicados.

            Em razão da alta dosagem de desigualdade social, o racismo tornou-se um campo fértil para exposição vexatória e degradante, não só no Brasil, como também, pelo mundo afora. É o caso do racismo enfrentado pelo jogador Vinícius Júnior, craque do Real Madri.

            Quem não se lembra do jogo realizado, em meado do ano passado, entre o time Real Madri e Valencia, onde o jogador Vinícius Júnior foi humilhado por um torcedor?

            Só para colocar em contexto, o jogo transcorria normalmente, quando um torcedor o atacou, gritando: Mono (macaco, em espanhol). Em campo, Vinícius Júnior apontou para as arquibancadas, identificando um dos racistas.

            O juiz parou o jogo por alguns instantes, não tomou qualquer providência adicional e retomou a partida. Enquanto os insultos se agigantaram e tomaram o estádio inteiro. Num imbróglio mais que indigesto!

            Mas olha só: no fim da partida, já nos acréscimos, deu-se um entrevero em campo. Um jogador do Valência, talvez querendo gastar tempo, pois seu time continuava com vantagem de 1 a 0, desabou não chão. Vinícius Júnior se dirigiu ao jogador, protestando, o goleiro adversário correu até os dois e outro atacante adversário já chegou aplicando um mata-leão em Vinícius, que reagiu empurrando o agressor pelo rosto.

            Resultado: nada aconteceu com o atacante do mata-leão, o goleiro recebeu cartão amarelo e Vinícius Júnior, que jogara com um estádio gritando um insulto racista, foi expulso do jogo. Que baita constrangimento!

            Na entrevista coletiva depois do jogo, o italiano Carlo Ancelotti, treinador do Real Madri, assim se manifestou: “O que aconteceu hoje não pode acontecer, um estádio inteiro gritando ‘macaco’ para um jogador, e um treinador pensa em tirar o jogador (de campo) por causa disso. Há algo errado nessa Liga (entidade que organiza o Campeonato Espanhol)”.

            O protesto de Vinícius Júnior não foi em vão, ainda em Barcelona, o craque brasileiro recebeu a visita do presidente da FIFA, o suíço-italiano Gianni Infantino, convidando-lhe para liderar um comitê antirracismo da entidade, que lutará por punições rigorosas contra jogadores, clubes ou torcedores que cometam ofensas racistas. Vinícius aceitou.

            O Instituto Vini Jr foi fundado em julho de 2021. Foi idealizado por Vinícius para criar algo diferente das iniciativas de outros jogadores brasileiros que seguiam um padrão: todos giravam em torno de escolinha de futebol, onde crianças talentosas com a bola participavam de projetos educacionais. Mas, sim, desenvolver oficinas de educação antirracistas.

Um levantamento feito pelo citado instituto mostrou que 80% das crianças da rede pública brasileira são negras. E que não podem ficar à mercê desse preconceito arraigado de racismo.

Isso colide o que vai ao âmago de ser humano: a humilhação.

 

                       LINCOLN CARTAXO DE LIRA

           

 

             A primeira vez que passei o Natal fora do seio da minha família, foi esse agora. E de uma forma bem diferente, no apartamento de um hospital, a espera de um procedimento cirúrgico que minha consorte Socorro ensejava com tanta inquietude.

            Isolado do atual momento festivo e religioso, enquanto ela dormia, me sentei numa poltrona do referido recinto, sob a luz suave, própria do entardecer do dia, e comecei a repensar em tudo. Nas coisas que perdi, nas coisas que deveria ter feito, nos amigos que se foram...

            Confesso que não foi só uma questão de lamento, mas, também, de certos acontecimentos terem me podado de vários sonhos, caminhos e, principalmente, lições.

            Agora, mais maduro, começo a entender o motivo dos recuos que temos nos sujeitar. Descobri que para ser feliz é necessário ser um pouco bobo. E gente que reclama o dia inteiro, definitivamente, não sabe curtir a vida, o sol, as pessoas, uma música ou qualquer coisa que só depende dela para acontecer.

            Esquece a razão mais importante da vida: aproveitar o momento. E deixar rolar. O resto, a vida cuida.

            E, se você já fez uma “cagada” (desculpe-me a expressão), assuma e sorria; eu também já fiz e vou continuar fazendo até descobrir onde errei.

            Nós temos que botar em nossa cachola que só depende de nós para sermos felizes. 

            Não vamos nos sacrificar em achar resposta para tudo nessa vida, despertando assim uma paranoia desnecessária.

            Reconheço que quando colecionamos desgastes, adquirimos também certos aprendizados, alguns bons, mas outros, destrutivos.

            Neste mundo contraditório, buscamos, volta e meia, fugir de alguma blitz, mas reclamamos da falta de policial nas ruas.

            Ademais, as pessoas querem alimentar suas carências e acabam se esquecendo do mundo, dos alicerces passados, das pessoas envolvidas – às vezes – por culpa da imaturidade.

            Como diz o meu velho a migo e boêmio Cordeiros, o difícil na vida não é ter virtudes, mas sim saber articular as virtudes que se tem.

            Talvez eu seja retrógrado, mas na jurisdição da minha consciência, a vida é assim: errar e acertar, interpretações equivocadas e certeiras, dias ruins e bons.

            Acredito fielmente que a gente cresce e muda de opinião, de companheiros, de vivências, porém não podemos mudar de essência.

            Longe de mim querer lançar aqui um estilo padrão, só estou dizendo que, no fundo, são essas coisas que realmente importam.

            Nesse pot-pourri de reflexões, conclui-se então que esse é charme da vida.

            Se isso não vale de nada, não sei mais o que pode valer.

            Feliz Ano Novo!!!

 

                          LINCOLN CARTAXO DE LIRA

 

               

 

 

Violência contra as mulheres

 

           Todos os dias, a violência contra as mulheres é exposta nos noticiários. Não se pode romantizar os relacionamentos tóxicos. Uma vez que o amor não fere. O amor não silencia. E o amor não mata.

            Acredite se quiser: seis em cada dez mulheres que foram vítimas de violência praticada por homens não procuraram autoridades de segurança para registrar o crime. A constatação é da Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, divulgada recentemente pelo Instituto DataSenado e o Observatório da Mulher contra a Violência.

            Tem mais: entre as 21,7 mil brasileiras consultadas, 30% afirmam já ter sofrido algum tipo de violência doméstica ou familiar, e destas, apenas 40% registraram os episódios junto ao poder público.

            O que mais me chamou atenção no caso desse tipo de violência, que tomou conta do país nos últimos tempos, foi o fato de o marido agressor ter justificado seu comportamento como sendo “desinteligência entre casal”.

            Como assim “desinteligência entre casal”? Ora, tive a curiosidade de recorrer ao Google, e lá apareceu a seguinte definição: diferença entre opiniões ou pontos de vista; divergência; conflito por falta de concordância; desavença; desentendimento.

            Ora, ora... Violência não é “desinteligência entre casal”, e sim crime!

            É a tese levantada pela defesa do caso da apresentadora Ana Hickmann, um estopim, para a sociedade brasileira acordar e denunciar a violência contra mulher que acontece todos os dias. Não deixa de ser uma tese insana, cansativa e até mesmo ignorante.

            A verdade é que não dá para criar atalhos sobre esse tema. Sempre observei isso.

            Nesse caldo, temos a violência sexual contra a mulher, que é um crime invisível, onde há muito tabu por trás dessa falta de dados. Pois muitas mulheres estupradas não prestam queixa. Às vezes, nem falam em casa porque existe a cultura de culpá-las mesmo sendo vítimas. Ah, isso tudo dói um bocado.

            O silêncio é a maior arma dos agressores para perpetuar essa prática escabrosa. Quando o silêncio prevalece, protege o agressor.

            Digo sem rodeios: temos que ir até a raiz do problema, enquanto isso não mudar, não vamos mudar esse quadro triste de violência contra as mulheres.

            Não basta só adotar penas duras (da legislação criminal) para quem comete essa violência, é preciso mudar a mentalidade das pessoas através da educação. Só por meio dela, da discussão sobre feminismo e gênero nas escolas, nas universidades e em todos os locais, que vamos conseguir evitar essa maldade transloucada.

            Chega de culpar a vítima! Chega de justificar as ações do agressor. Toda forma de ódio precisa ser contida.

            Basta de crueldade! Denuncie!

 

               

                                           LINCOLN CARTAXO DE LIRA

Dor de Cotovelo

 

            Já revelei aqui neste espaço que uma das músicas mais bonita da MPB é aquela composta por Nelson Motta e cantada pelo Lulu Santos, que diz que na vida tudo passa, tudo sempre passará, como uma onda no mar. No entanto, para o grande compositor gaúcho e boêmio Lupicínio Rodrigues, isso não é verdade, é uma deslavada mentira.

            Valendo-se de sua “dor de cotovelo” que tanto lhe torturava e que não se libertava (de vítima) dos amores e desamores, de paixões e desilusões avassaladoras, fez transportar para as canções essa melancolia como bem é retratada em “Nervos de aço”: “Você sabe o que ter um amor, meu senhor/Ter loucura por uma mulher/E depois encontrar esse amor, meu senhor/Nos braços de um tipo qualquer”. Como se vê, um caldeirão pulsante de amargura.

            O cenário é o mesmo: o cara entra no bar sozinho e magoado, ferido, pisado, contundido amorosamente. Na cabeça, a amada, “aquela ingrata”, que o abandonou por outro (Ricardão!). Como não poderia deixar de ser, pede um chope, um uísque ou uma aguardente, ficando por ali durante horas, remoendo a tristeza pela separação. Sem tergiversação, um autêntico folhetim de libelo “cornista”.

            Ninguém soube expressar como Lupi (carinhosamente como era chamado) a mais acachapante e abjeta “cornitude”. Diferentemente do Noel Rosas, Oreste Barbosa e Chico Buarque que escreveram brilhantes canções sobre o “descorno”. Ele era de enfiar o pé na lama e se expor sem restrições suas bizarras mágoas.

            O barato de suas canções é o texto musical. Verdadeiro oceano de trivialidades amorosas, puxada pela filosofia “botequinesco” e da dramaturgia diária da boemia. Um complexo emocional em que se mistura “dor de corno”, saudade, algum desejo de vingança, muito amor mal cicatrizado.

            Por isso, que se tornou um dos ícones da fossa e da desilusão. Cujo tema de suas canções, invariavelmente baseado em fatos reais, era centrado na danada da traição. Veja a sua manifestação de revolta nos versos de “Nunca”: “Nunca/Nem que o mundo caia sobre mim/Nem se Deus mandar/Nem mesmo assim/As pazes contigo eu farei”.

            Tinha orgulho de ser boêmio. Costumava dizer “É melhor brigar junto do que chorar separado”. Nas suas desventuras com as mulheres que desfilaram pela sua vida, levou-o a compor e a gravar umas 150 canções (marchinhas de carnaval e sambas-canção), músicas que expressavam sentimentos de um amor perdido.

            Outro catedrático da boemia, Vinicius de Morais, confessava que “Todo poeta só é grande se sofrer”. Assim, em 1974, Lupicínio Rodrigues, aos 59 anos, conhecido pelo estilo bordão “dor de cotovelo”, morreu como viveu: do coração.

 

 

                                                LINCOLN CARTAXO DE LIRA

                                                      

Manual do boêmio

 

            Tem algo melhor para um boêmio que chegar no boteco e o garçom perguntar: “O de sempre?”.

            Meu amigo boêmio Cordeiro que o diga. Ora, se bebida fosse pecado, como querem os protestantes, Jesus, o chefe deles, não teria transformado água em vinho, nas Bodas de Canaã, exatamente o seu primeiro milagre. E na opinião de Cordeiro, defectivo guru da boemia, o mais saudoso dos milagres.

            Essa assertiva tem tudo a ver com o ambiente que ele conhece muito bem: aquelas conversas que começam meio enrolada e depois sai como maior amigo do cara. E claro o cigarrinho e a saideira com a porta do bar já fechando.

            Com jeitão despojado e ativo nas redes sociais, meu velho amigo Cordeiro me enviou um texto alusivo às 10 lições básicas do “Manual do boêmio”, autoria de Xico Sá, bem afeito à realidade deste mundo – reduto da boemia.

            Vejamos...

1) É de bom-tom sempre guardar o nome dos garçons, afinal de contas é no ombro deles que vais chorar, ao som de “Nervos de Aço”, a inevitável, acachapante e humaníssima dor de corno.

Sim, amigo, fica tranquilo, só o chifre humaniza o macho metido a besta;

2) Na saúde e na doença, a culpa será sempre do tira-gosto, do petisco, ah, aquela calabresa, aquele torresmo, aquela moela (a melhor iguaria de boteco do mundo), aquela azeitona me fez mal à beça… jamais a culpa será da bebida. Seja um uiscão batizado e paraguaio, seja a mais destilada das águas escocesas;

3) Boemia é como futebol, é ritmo de jogo, sequência; se você a larga por uns dias, ela te pega na volta, mesmo que peça, suplicante, a tua nova inscrição;

4) A divisão do tempo da prosa do homem, na mesa de um bar, deve obedecer ao seguinte critério: 50% sobre mulheres, 40% sobre futebol e 10% sobre as ressacas monstruosas, a nostalgia precoce das quedas;

5) Direito máximo do consumidor boêmio: desde que o freguês não se incomode com água e sabão nos pés, poderá ficar no recinto até a descida do portão de ferro. No país da impunidade, a lei existe para ser desobedecida, sempre haverá tolerância para mais uma saideira;

6) É livre o “pindura”, data vênia, para fregueses com mais de cinco anos de casa, como reza a lei do usucapião;

7) Meu bar/meu mar… é permitido nadar no seco e beijar os pés das mulheres.

8) Lembra-te, amigo mais velho: a ressaca, depois dos 40, não é apenas uma ressaca. É uma paralisante dengue existencialista;

9) Procures sentar sempre nas primeiras mesas do botequim, se possível na calçada, pois todos os dias, alguma mulher irada sai de casa, revoltada com o consorte, e diz assim: “Hoje eu vou dar para o primeiro que encontrar”. Se bem colocado na área, este primeiro serás tu, bravo boêmio;

10)  Mesmo que bebas demais da conta, de modo a ficar sem condições técnicas para o acasalamento, nada de desistência. Ainda podes virar, com alguma dose de sorte, um homem-tupperware –aquele que a mulher leva para casa para comer no dia seguinte.

Buena sorte!

 

                                        LINCOLN CARTAXO DE LIRA

 

Meus Caminhos pela vida

 

            Há um verbo em desuso que merece ser revitalizado: aprender. E foi através do livro “Meus Caminhos pela Vida”, publicado pela Editora Meta, do meu ex-professor Antônio Cavalcante Filho (1936-2022), grande estudioso da economia, que pude refletir o quanto esse verbo é importante na postura competitiva: não é daquele cara que almeja atingir o topo de qualquer maneira, e sim daquele que extrai de algo superior, o estímulo, para encontrar o próprio caminho para vencer a si mesmo.

            A referida obra é uma autobiografia desse apaixonado pelo ofício de ser professor. Redigido de modo claro e objetivo, sem decair no falso moralismo ou na verborragia hipócrita de certos escritos. Um autêntico flashback cinematográfico, onde ele rebobina todo o filme sobre a sua vida, sem dar espaço para embromation.

            Bacana mesmo foi ele confessar - com muito orgulho - que é filho de família muito humilde, nascido na raiz mais profunda do cariri paraibano (cidade de Boa Vista), que começou a trabalhar antes de completar dez anos de idade como “botador” de água nas casas de família, vendedor ambulante de produtos caseiros, lavador de queijos de coalho, auxiliar de venda de algumas bodegas, auxiliar de padaria, cortador de palmas forrageiras, tratador de animais para alguns criadores no lugarejo e outras tarefas de menor importância para um jovem sonhador.

            Transpirando verdade, sentimentos à flor da pele, o professor Cavalcante, conhecido pela sua simpatia, bem-educado e impecável no trato, mostra que venceu na vida profissional sem precisar de pedigree, nem de pistolão. Prevalecendo-se em todo o tempo a “aristocracia do mérito”. Que emana do concurso público.

            Mesmo quando foi preso inocentemente pelo Regime Militar (1965), ele não se abalou. Tinha consciência que precisava continuar lutando, sonhando e olhando sempre para frente, sabendo que a vida somente acaba para os fracos e os pessimistas.

            Fiquei surpreso quando esse ilustre professor de economia citou uma frase extraída num dos meus artigos publicados no saudoso Jornal Correio da Paraíba: “Nós nascemos sem pedir e morremos sem querer – Lincoln Cartaxo (ex-aluno)”. Claro que isso me comoveu, notadamente porque é uma frase que gosto de fazer referência para provar àqueles desavisados que nessa vida somos todos parecidos e ninguém vale mais, nem menos, um tostão.

            O professor Antônio Cavalcante nos deixou um legado de honradez, um exemplo magnífico de amor a Deus e ao próximo, E, como estudioso, uma visão da economia da abundância e que a abundância é o antídoto para a escassez.

           

 

                                                                                  LINCOLN CARTAXO DE LIRA

                                                                              

Futuro das cidades

 

            Tema que deve preocupar não só os nossos gestores, eleitos para administrar suas cidades, mas todos aqueles que vivem e buscam por uma melhor qualidade de vida. 

      É preciso entender que a cidade é o espaço privilegiado do encontro. Esta é uma das mais simples e poéticas definições de cidade, a maior e mais complexa invenção humana, onde se fundem espaço, lugar e território. Onde a humanidade se abriga, frágil e franzina, para enfrentar o vigor da natureza.
            Um olhar mais preciso mostra que a cidade é o território dos conflitos e contradições, sendo o encontro, de fato, o instrumento para superá-los.

            É bom prestarmos atenção em uma coisa: nas últimas quintas décadas nosso país transformou-se de majoritariamente a área rural em urbana, ou seja, 80% de nossa população vivem em cidades. Tem mais: todos os dias, as cidades do mundo crescem cerca de 60 km² - uma área equivalente ao distrito de Manhattan, em Nova York. 

            A tendência que o eleitor brasileiro não quer simplesmente escolher o “menos pior”. Já não mais aceita atuação de modo empírico, improvisado ou despreparado. Sem falar, evidentemente, do inarredável senso e respeito no trato do dinheiro público. Nós, brasileiros, estamos cansados de falsas promessas. Esse descaso não é de agora, vem de anos. Imbróglio mais que indigesto!

            “O carro é o cigarro do futuro”. Pincei essa frase do relato de uma entrevista concedida pelo saudoso e estudioso das questões urbanas, Jaime Lerner, considerado por muito tempo guru dos prefeitos e urbanistas por sua boa experiência na melhoria do transporte público de Curitiba. Explicando melhor: sua defesa do transporte público não elimina o uso do carro. Mas já antever o fim de uma era do carro. Não é que não vai ter mais, mas ele será usado apenas para viagens, lazer.  

            Uma coisa puxa a outra. Segundo esse genial arquiteto, a prioridade para o transporte público pode ajudar o problema da moradia nas cidades. Cada carro ocupa duas vagas, uma em casa e outra no trabalho, o que dá 50m². Isso equivale o tamanho de muitas moradias populares. Resolvendo, assim, o problema de habitação de muita gente. 

            Uma vez, em conversa entre amigos, alguém comentou que os prefeitos de hoje têm que ter admiração e completo conhecimento da cidade que administra. Ademais, não se pode ajoelhar para os automóveis. Tem que priorizar o bem comum, o coletivo, em vez do individual e do privado, cuidar de quem cuida, reduzir desigualdades. 

            Estamos aguardando, dos nossos gestores munícipes, um novo jeito de ser, de gerir e de pensar sobre as nossas cidades. 

 

 

                                              LINCOLN CARTAXO DE LIRA 

 

O Brasil que eu quero

 

Dias atrás, acordei sobressaltado de madrugada, com o sentimento (transe) de estar passando um vídeo para a televisão sobre o “Brasil que eu quero”. Olha, foi um verdadeiro frenesi, uma excitação em querer dizer tanto coisa ao mesmo tempo sobre os nossos anseios nacionais, atualmente tão moribundos.

Depois caí na real e pus fim ao embaraço. Mesmo alheio à minha vontade, devido ao avançado da hora, comecei então a refletir sobre o “Brasil que queremos para o futuro”. Ora, não é preciso reinventar a roda, queremos apenas uma sociedade justa e igualitária, onde todos tenham direito à saúde, à educação, à alimentação e à segurança.

Queremos ainda um País onde os nossos mares e rios não sejam poluídos, onde os políticos cumpram com suas promessas. Um País livre da violência. Uma economia estabilizada de pleno emprego. Um País preocupado com o meio-ambiente. Todos juntos lutando pela paz, uma paz que não restringe à classe, à cor, ou à cultura.

 No Google ou qualquer livro minimamente razo vai ver quanto descaso, quanta indiferença, quanto desrespeito ao nosso Brasil tão mal-amado. A cada dia assistimos ao suicídio de um imenso país, de forma aviltante, covarde e canalha. Levando-o ao colapso econômico e moral. Panorama sóbrio que fez com que quase 65 mil empresas fechassem as portas, só em 2016, segundo o IBGE. Cujo desemprego chegou à marca de quase 14 milhões. Ocorre que a indignação pode ter lá seu efeito anestésico, mas a anestesia uma hora passa.

É importante ressaltar que, não por acaso, a saúde foi uma das maiores preocupações dos mais de 50 mil cidadãos que mandaram vídeos dizendo que Brasil eles querem para o futuro (fonte: Jornal Nacional). Não é para menos. Basta ver as filas nos hospitais ocasionadas pela má gestão de leitos do SUS. Somando os gastos públicos obrigatórios com saúde, o Brasil gasta menos de 4% do PIB. Muito menos do que Reino Unido, Canadá e França, que também têm sistemas universais de saúde e uma população muito menor do que a brasileira.

Aqui, mesmo sem bola de cristal, eu arriscaria afirmar que o tempo da demagogia se esgotou. E que o Brasil que queremos, só vai depender de nós, eleitor brasileiro.

 

 

                          LINCOLN CARTAXO DE LIRA

Brasil do futuro?

 

            Já disse várias vezes, neste espaço, que sou um otimista contumaz. Mas nem sempre é fácil ter essa percepção à dura prova da realidade que ora passa o Brasil.

            Lamentavelmente, estou ficando quase convicto de que o Brasil não é e parece nunca ter sido o país do futuro. Há muito tempo se promete aos brasileiros que este é o país do futuro e lá, em data incerta, será glorioso e os jovens serão felizes.

            A verdade é que eu não sei, você não sabe, ninguém sabe o que nos reserva para o futuro do Brasil. Nesse embate reside o risco de os apressados utilizarem discurso falacioso, sem coesão ou fluidez, sobre uma realidade que não existe, uma verdade indigesta. Não é complexo de vira-lata, é panorama da realidade. Pô, e agora?

            Ser o país do futuro implica, naturalmente, algo muito diferente. Distante da crise ambiental, da pobreza, da corrupção, da desigualdade, da violência, da misoginia, do racismo e de outras mazelas.

            Ao fim e ao cabo, o Brasil está doente, literalmente. A impressão para nós, brasileiros adultos, que já ouviram essa ladainha escolar é de que o futuro já veio, já chegou, mas... Não aconteceu. Só resta um pote até aqui de mágoa.

            Para quem já queimou os fusíveis, como eu, tenho a preocupação com os mais jovens, que vão comandar o futuro desta nação, encontram-se desprovidos de alento ou ânimo; sem forças para agir; sem coragem; desanimados ou desesperançados.

            Lembro-me de ter lido que o IBGE, pesquisa de 2022, mostra que há pessoa que gostaria de trabalhar, mas desistiu de procurar emprego por acreditar que não conseguiria. Em todo o Brasil, existe 5,97 milhões de desalentados. Céticos com o futuro, 76% dos jovens dizem querer deixar o Brasil, indica Datafolha.

            Tal índice traduz o sentimento de descrença com o nosso futuro. Recordando que a condição de desemprego retroalimenta o sentimento de fracasso, agravando ainda mais a percepção negativa do indivíduo sobre sua própria realidade.

            O cenário é de embasbacar. Nunca, na história republicana, o país demorou tanto a retomar o crescimento econômico. Os números de desemprego, do salário médio real e o desperdício de mão de obra recém qualificada que não encontra ocupação compatível com sua formação escancaram o desperdício de capital humano e provoca a ausência de estímulo.

            Dados do Banco Central sobre a balança comercial mostram que a participação de bens industriais nas exportações brasileiras diminui desde 1994, enquanto as vendas ao exterior de bens primários crescem sem parar. Com isso, perdemos competitividade exatamente no setor com as cadeias produtivas mais longas, gerador de maior valor agregado, mais capaz de criar empregos qualificados e indutor de inovações e produtividade em toda a estrutura econômica.

            Por sorte, moldei a minha mente e meu coração para encarar essa triste realidade.

 

                                        LINCOLN CARTAXO DE LIRA

           

           

O genial Fernando Botero

 

            A arte está de luto. O pintor e escultor colombiano Fernando Botero, conhecido internacionalmente por suas figuras rechonchudas que desafiaram os padrões de beleza, morreu aos 91 anos, na sexta-feira do dia 15 de setembro do corrente ano.

            Em viagem de férias à Medellin (Colômbia), em 2016, pude constatar a beleza de suas obras (esculturas) instalada numa praça no centro da referida cidade. Confesso: fiquei endiabrado, sabe-se lá o quê, com o que vi, uma suprema arte do belo. Foi muito emocionante. Muito.

            Como diz um articulista, Botero e Gabriel Garcia Márquez são símbolos de uma época de ouro da cultura colombiana. Suas esculturas decoraram a Champs-Élysées, em Paris, a Park Avenue, em Nova York e o Paseo de Recoletos, em Madri, entre outras ruas renomadas de capitais do mundo.

            O cara era apaixonado pelo Renascimento italiano, ele se proclamou acima de tudo um “defensor do volume” na arte moderna e desenhou figuras rechonchudas, uma estética que ficou conhecida como “boterismo”.

            É verdade. Suas telas e esculturas têm sempre apelo sensual, voluptuoso, e clima de fantasia, mas o artista também abordou temas sombrios, em trabalhos relacionados com a violência gerada pelas drogas na Colômbia.

            Reparem, quando Botero tinha 15 anos, treinava para ser toureiro e lhe ocorreu vender desenhos numa praça em Bogotá. Ele era fascinado pelo cartazista mexicano Carlos Ruano Llopis, que pintava touradas, e começou a imitá-lo. Depois de vender uma dessas obras por um valor irrisório, começou a pensar em abandonar as touradas e se tornar artista. E que deu certo. Como deu!

            Meu genro, Andrés López, colombiano, tem um orgulho danado desse seu famoso conterrâneo. Destacando-se que é o artista latino-americano mais vendido durante sua vida, pois Botero quebrou o próprio recorde no ano passado, quando sua escultura “Homem a Cavalo” alcançou US$ 4,3 milhões, ou cerca de R$ 20 milhões, num leilão da Christie’s.

            Foi um importante patrono, com doações estimadas em mais de US$ 200 milhões, ou R$ 973 milhões. O artista doou muitas de suas obras aos museus de Medellín e Bogotá, que em 2012 foram declarados bens de interesse cultural pelo governo colombiano.

            Seu legado, que inclui mais de 3.000 pinturas e 300 esculturas, foi pautado por sua insaciável sede de criação. Nos últimos anos, Botero trabalhou dez horas por dia, febrilmente. Sua filha Lina Botero disse que o pai não pintava mais a óleo, porque dava muito trabalho ficar em pé, mas com aquarela. A mera ideia de desistir dos pinceis, afinal, o aterrorizava mais do que a morte, afirmou sou filha.

            O presidente da Colômbia Gustavo Petro, assim se manifestou: “Morreu Fernando Botero, o pintor das nossas tradições e imperfeições, o pintor das nossas virtudes. O pintor da nossa violência e da paz”.

            Sim. O mundo da arte está de luto. E o resto é silêncio, como disse Hamlet (de Shakespeare).

 

                                                   LINCOLN CARTAXO DE LIRA