segunda-feira, 29 de agosto de 2011

A nostalgia do circo

            A importância do circo na cultura brasileira está longe de ser daquele tempo de outrora. Sou da época, lá na cidade de Padre Rolim (Cajazeiras), que a chegada do circo era motivo de festa e de grande frenesi entre a meninada.
            O recado verbal de “Senhoras e senhores, respeitável público: O Circo chegou!” está cada vez mais difícil de ouvir. E quando estranhamente se ouve, faço como muitos outros aficionados dessa arte circense, corre às pressas para assistir o maior espetáculo tradicional da terra. Assim aconteceu, quando entusiasmado que fui, juntamente com minha consorte, prestigiar a temporada do grande Circo Tihany, em passagem pela nossa capital.
            Pensando bem, apesar de todo modernismo e de confortável ambiente, confesso que não me surpreendi tanto assim com as suas atrações artísticas. Acredito pelo fato de já conhecer bem a nova modalidade de circo que atualmente exibe o Cirque Du Soleil e o Circo Imperial da China. Um tipo de espetáculo totalmente performático e glamoroso.
            De qualquer sorte, uma coisa que sempre me tocou, nessa reminiscência nostálgica do circo, era o retumbante lampejo de magia, de criatividade, de alegria e de improviso, exercida por aqueles profissionais de “espasmo talento”; onde há música (ao vivo) e as variedades artísticas se interagiam com arte e com gente, numa completa harmonia e técnica irrepreensível.
            Vejo, hoje, que lugar de animal é no seu habitat natural ou no zoológico, mas, naquele tempo, encantava-me ver no picadeiro os poodles subindo e descendo escadas. Tigres atravessando arcos em chamas. Elefantes quase sonolentos subindo num banquinho e dançando uma rumba. Cavalos que rodopiavam, rodopiavam e não ficavam tontos. E macacos “bicicletando” com saiotes de tule. Decerto, não existia espetáculo sem animais.
            Refrescando ainda a memória, na inocência dos meus parcos anos, as peripécias do palhaço faziam à diferença ao espetáculo - tinham fascínio maior.  Se o circo não tivesse uma trupe de bons palhaços, estava irremediavelmente fadado ao fracasso de bilheteria. Mesmo sendo previsível o palavrório, gostava à beça o bordão ingênuo: “Hoje tem marmelada? Tem sim, senhor! Hoje tem goiaba? Tem sim, senhor! E o palhaço, o que é? É ladrão de mulher!”.
            De todas as companhias, o Circo Garcia é a que me trás as melhores recordações artísticas. Lamentavelmente, depois de 75 anos de atividades no Brasil, teve que a arriar a lona (em definitivo) decorrente de suas crises financeiras sucessivas.
            Vale uma observação final: ao avistar, às vezes, os pequenos circos pelos bairros da periferia das grandes cidades ou das cidades do interior, meus olhos ficam marejados de saudade e a certeza de que pelo menos um palhaço no picadeiro a mostrar que fazer sorrir ainda é o melhor remédio.


                                                      LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                                      lincoln.consultoria@hotmail.com
                                                      Advogado e Administrador de empresas

domingo, 21 de agosto de 2011

O irreverente Noel Rosa

       Para os biógrafos, Noel sempre caminhava pela contramão. Do mau aluno do Ginásio São Bento, avesso a quase tudo o que a educação beneditina pregava (os preconceitos, o moralismo, a noção de pecado, as lições do catolicismo, a fé), ao jovem do bairro de Vila Isabel do Rio de Janeiro que adorava a boemia, e tinha na música popular a razão de sua vida.   Costumava dizer que “a vocação é necessária até para se dar o laço na gravata”. E ele cultuava, sim, essa consciência de vocação (no caso, para música), que a considerava como uma atividade diletante – exercício por idealismo.
Muito já se falou desse fenômeno musical. Nenhum outro artista de seu tempo – contrariando até o conceito nelsonrodrigueseano, segundo o qual “toda unanimidade é burra” – permanece por tanto tempo sendo citado, cantado, ouvido, estudado, discutido, admirado e criticado; apesar de ter gozado a vida terrena até os 26 anos.
Imagine só: Noel era daquele que ao chegar a sua casa, completamente bêbado, com os cabelos desgrenhados e cheiro de perfume feminino, a esposa alfinetava: “Que vergonha! Dê-me um só motivo digno para chegar aqui a essa hora?”. Romanceando a malandragem e o jeitinho brasileiro, respondia: “O café da manhã”.
Além da fama de músico, boêmio e mulherengo, possuía, também, o lado irreverente, zombeteiro, gozador. Como bem conta o músico Henrique Cazes. Vejam. O Noel Rosa deliciava-se varar noites e noites em rodas boêmias no cento do Rio. No comecinho dos anos 1930, conheceu por lá um taxista (ou chofer, como se dizia à época) chamado Malhado, metido ainda a músico.
Depois de muitas viagens com Malhado, tendo que suportar suas lamentações amorosas, Noel resolveu pregar uma peça no chofer. Escreveu uma música para que Malhado pudesse mostrar seus dotes a duas moças, filhas de um coronel de Vila Isabel.
No dia marcado, e depois de algum ensaio, os dois se encontram para a serenata. Noel disse que tocaria violão do outro lado da rua, para dar o destaque que a voz de Malhado merecia. Ao som das primeiras dedilhadas, Malhado soltou a voz, lendo num papel a letra escrita pelo companheiro: “Saí da tua alcova com o prepúcio dolorido/Deixando seu clitóris gotejante/De volúpia emurchecido/Porém, os gonococos da paixão/Aumentou minha tensão...”.
            O coronel, claro, não gostou nada da letra pornográfica dedicada a suas filhas. Surgiu na janela já de arma em punho. Malhado correu em disparada. Depois de algumas quadras, encontrou o Poeta da Vila. Esbaforido e assustadíssimo, exclamou: “Não entendi nada, o coronel saiu atirando”. E Noel sem perder a pose: “Isso é pra você ver o que é a falta de sensibilidade dessa gente...”.         


                                                     LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                                      lincoln.consultoria@hotmail.com
                                                       Advogado/Administrador de Empresas

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Como buscar a longevidade

       Sim, é verdade, estamos ficando mais velhos. Para alguns, a passagem do tempo é uma bênção; para outros, uma calamidade. Mas envelhecer é uma realidade à qual nenhum de nós pode escapar.
            A genética determina cerca de 25% do nosso tempo de vida, já o restante (75%) só depende da gente – do ambiente em que vive, de como se cuida e de como encara os acontecimentos. Nota-se que a velhice começa quando se olha para trás em vez de olhar para frente.
            Diz-se por aí que o futuro a Deus pertence. Olha, foge à minha compreensão essa percepção. Então, ter interesse em viver, não parar de fazer planos, continuar cultivando amigos e poder usufruir do mundo e de suas evoluções é primordial para atingir a longevidade. Por temer as consequências dessas ações, nos impedem às vezes de seguir adiante.
            Como disse um arguto observador: não tema deixar para trás as coisas que já morreram. Elas são como uma bagagem que não é mais necessária. Somente nossa experiência de vida e nosso desejo de criar uma existência cheia de significado são tesouros leves para carregar.
            Quanto mais leio, convenço-me que viver de arrependimentos do passado ou orgulhar-se permanentemente do que já aconteceu não funciona, leva a decadência. O Passado deve ficar no passado. Tenha sempre os olhos no futuro. A referência é sempre a montanha seguinte. Os alpinistas dizem que a montanha que importa é a próxima; a que já foi escalada não tem mais poder de fascínio.
            O estudo mais recente sobre a longevidade, lançado nos Estados Unidos, mostra que pessoas produtivas, envolvidas e comprometidas com sua atividade, morreram depois. Enquanto os mais relaxados, extremamente otimistas, morreram antes dos prudentes e pessimistas. Por acreditarem que nada de ruim lhes aconteceria, cuidaram menos da saúde e se expuseram mais a acidentes.
            Parece bobagem, mas não dá para ficar “com a boca escancarada e cheia de dentes esperando a morte chegar”, como diria o menestrel roqueiro Raul Seixas. Se alguém perceber que está nesta situação, é hora de sair para o tudo o nada e mostrar que seu coração ainda pulsa.
            E é assim mesmo, porque, afinal, as coisas não nasceram para dar certo, somos nós é que fazemos as coisas acontecerem, ou não. Por isso que Olacyr de Morais, 80 anos, o ex-rei da soja, sempre acompanhado de belas jovens, fala que o segredo de sua longevidade é não ficar sozinho. Mesmo na pior, nunca cogitou se aposentar – nem ficar sem amigas. “Quando o velho convive com o jovem, vê coisas mais novas”, explica. Dá prá sacar?
            Não há escapatória: envelhecer é parte natural da vida, onde se celebra a sabedoria através da experiência adquirida.

                                                   LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                                    lincoln.consultoria@hotmail.com
                                                    Advogado e Administrador de Empresas
 
           

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O drama da educação

            É só espiar que é linguagem comum de todos os discursos, desde o Brasil colônia, que a melhoria da Educação brasileira continua sendo uma fascinante promessa de políticos em campanha eleitoral. Traduzida em frases grandiloquentes como “a prioridade das prioridades” e “tudo pela sociedade do conhecimento”. Ou da metáfora cínica tipo para “superar o apagão educacional”.
            A chaga do analfabetismo, que deveria aviltar qualquer governante, atinge 14,1 milhões de brasileiros, 9,7 da população com idade superior a 15 anos. O número salta de forma galopante se forem incluídos nessa conta os analfabetos funcionais. Segundo o Relatório UNESCO 2010, no ranking de 128 países, conhecido como Índice de Desenvolvimento de Educação para Todos (IDE), perdemos, nos últimos de anos, 16 posições, ou seja, passamos de 72º. para 88º. Na América do Sul, só não perdemos para a pequena nação de Suriname.
            É um acinte, uma tapa na cara da cidadania brasileira saber que o governo continua gastando bilhões de reais com o pagamento de juros e amortizações da dívida enquanto a verba para a educação é contingenciada. Não sabia? Então, a educação passou a ser vista como mercadoria e o Estado desobrigou-se de cumprir seu papel de ente responsável pela disponibilização desse bem público para o conjunto da sociedade. E os empresários da educação, por sua vez, continuam a não ter o que reclamar.
            A propósito do descaso com a nossa educação, há uma história debochada contada por um velho amigo de bate-papo. O cara termina o segundo grau e não tem vontade de fazer uma faculdade. O pai, revoltado, dá um apertão:
            - Ahh, não quer estudar? Pois bem, vadio dentro de casa eu não mantenho.
            Esse Senhor, que tem muitos amigos, fala com um deles, que é político:
            - Prezado Rodrigues! Meu filho terminou o segundo grau e anda meio à toa, não quer estudar. Será que tu consegues algum emprego pro rapaz?
            Depois de três dias, Rodrigues liga:
            - Zé, já tenho. Assessor de Comissão de Saúde no Congresso, R$ 9.000,00 por mês, prá começar.
            -Tu tá louco! O garoto recém terminou o colégio, não vai querer estudar mais, consegue algo mais baixo, alguma coisa de R$ 700,00 ou R$ 900,00.
            - Isso é impossível Zé! Para essa faixa salarial só se for por concurso para Professor, com título superior, mestrado... É difícil.
            Conclusão: mais grave do que minimizar o problema da educação, seja o descompromisso desavergonhado como se trata a questão na prática.


                                                LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                                lincoln.consultoria@hotmail.com
                                              Advogado e Administrador de Empresas