sábado, 24 de fevereiro de 2024

Manual do boêmio

 

            Tem algo melhor para um boêmio que chegar no boteco e o garçom perguntar: “O de sempre?”.

            Meu amigo boêmio Cordeiro que o diga. Ora, se bebida fosse pecado, como querem os protestantes, Jesus, o chefe deles, não teria transformado água em vinho, nas Bodas de Canaã, exatamente o seu primeiro milagre. E na opinião de Cordeiro, defectivo guru da boemia, o mais saudoso dos milagres.

            Essa assertiva tem tudo a ver com o ambiente que ele conhece muito bem: aquelas conversas que começam meio enrolada e depois sai como maior amigo do cara. E claro o cigarrinho e a saideira com a porta do bar já fechando.

            Com jeitão despojado e ativo nas redes sociais, meu velho amigo Cordeiro me enviou um texto alusivo às 10 lições básicas do “Manual do boêmio”, autoria de Xico Sá, bem afeito à realidade deste mundo – reduto da boemia.

            Vejamos...

1) É de bom-tom sempre guardar o nome dos garçons, afinal de contas é no ombro deles que vais chorar, ao som de “Nervos de Aço”, a inevitável, acachapante e humaníssima dor de corno.

Sim, amigo, fica tranquilo, só o chifre humaniza o macho metido a besta;

2) Na saúde e na doença, a culpa será sempre do tira-gosto, do petisco, ah, aquela calabresa, aquele torresmo, aquela moela (a melhor iguaria de boteco do mundo), aquela azeitona me fez mal à beça… jamais a culpa será da bebida. Seja um uiscão batizado e paraguaio, seja a mais destilada das águas escocesas;

3) Boemia é como futebol, é ritmo de jogo, sequência; se você a larga por uns dias, ela te pega na volta, mesmo que peça, suplicante, a tua nova inscrição;

4) A divisão do tempo da prosa do homem, na mesa de um bar, deve obedecer ao seguinte critério: 50% sobre mulheres, 40% sobre futebol e 10% sobre as ressacas monstruosas, a nostalgia precoce das quedas;

5) Direito máximo do consumidor boêmio: desde que o freguês não se incomode com água e sabão nos pés, poderá ficar no recinto até a descida do portão de ferro. No país da impunidade, a lei existe para ser desobedecida, sempre haverá tolerância para mais uma saideira;

6) É livre o “pindura”, data vênia, para fregueses com mais de cinco anos de casa, como reza a lei do usucapião;

7) Meu bar/meu mar… é permitido nadar no seco e beijar os pés das mulheres.

8) Lembra-te, amigo mais velho: a ressaca, depois dos 40, não é apenas uma ressaca. É uma paralisante dengue existencialista;

9) Procures sentar sempre nas primeiras mesas do botequim, se possível na calçada, pois todos os dias, alguma mulher irada sai de casa, revoltada com o consorte, e diz assim: “Hoje eu vou dar para o primeiro que encontrar”. Se bem colocado na área, este primeiro serás tu, bravo boêmio;

10)  Mesmo que bebas demais da conta, de modo a ficar sem condições técnicas para o acasalamento, nada de desistência. Ainda podes virar, com alguma dose de sorte, um homem-tupperware –aquele que a mulher leva para casa para comer no dia seguinte.

Buena sorte!

 

                                        LINCOLN CARTAXO DE LIRA

 

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