Tem
algo melhor para um boêmio que chegar no boteco e o garçom perguntar: “O de
sempre?”.
Meu amigo boêmio Cordeiro que o
diga. Ora, se bebida fosse pecado, como querem os protestantes, Jesus, o chefe deles,
não teria transformado água em vinho, nas Bodas de Canaã, exatamente o seu
primeiro milagre. E na opinião de Cordeiro, defectivo guru da boemia, o mais
saudoso dos milagres.
Essa assertiva tem tudo a ver com o
ambiente que ele conhece muito bem: aquelas conversas que começam meio enrolada
e depois sai como maior amigo do cara. E claro o cigarrinho e a saideira com a
porta do bar já fechando.
Com jeitão despojado e ativo nas
redes sociais, meu velho amigo Cordeiro me enviou um texto alusivo às 10 lições
básicas do “Manual do boêmio”, autoria de Xico Sá, bem afeito à realidade deste
mundo – reduto da boemia.
Vejamos...
1) É de bom-tom sempre guardar o nome dos garçons, afinal de
contas é no ombro deles que vais chorar, ao som de “Nervos de Aço”, a
inevitável, acachapante e humaníssima dor de corno.
Sim, amigo, fica tranquilo, só o chifre humaniza o macho metido a
besta;
2) Na saúde e na doença, a culpa será sempre do tira-gosto, do
petisco, ah, aquela calabresa, aquele torresmo, aquela moela (a melhor iguaria
de boteco do mundo), aquela azeitona me fez mal à beça… jamais a culpa será da
bebida. Seja um uiscão batizado e paraguaio, seja a mais destilada das águas
escocesas;
3) Boemia é como futebol, é ritmo de jogo, sequência; se você a
larga por uns dias, ela te pega na volta, mesmo que peça, suplicante, a
tua nova inscrição;
4) A divisão do tempo da prosa do homem, na mesa de um bar,
deve obedecer ao seguinte critério: 50% sobre mulheres, 40% sobre futebol e 10%
sobre as ressacas monstruosas, a nostalgia precoce das quedas;
5) Direito máximo do consumidor boêmio: desde que o freguês não se
incomode com água e sabão nos pés, poderá ficar no recinto até a descida do
portão de ferro. No país da impunidade, a lei existe para ser desobedecida,
sempre haverá tolerância para mais uma saideira;
6) É livre o “pindura”, data vênia, para fregueses com mais de
cinco anos de casa, como reza a lei do usucapião;
7) Meu bar/meu mar… é permitido nadar no seco e beijar os pés das
mulheres.
8) Lembra-te, amigo mais velho: a ressaca, depois dos 40, não é
apenas uma ressaca. É uma paralisante dengue existencialista;
9) Procures sentar sempre nas primeiras mesas do botequim, se
possível na calçada, pois todos os dias, alguma mulher irada sai de casa,
revoltada com o consorte, e diz assim: “Hoje eu vou dar para o primeiro que
encontrar”. Se bem colocado na área, este primeiro serás tu, bravo boêmio;
10) Mesmo que bebas demais da conta, de modo a ficar sem
condições técnicas para o acasalamento, nada de desistência. Ainda podes virar,
com alguma dose de sorte, um homem-tupperware –aquele que a mulher leva
para casa para comer no dia seguinte.
Buena sorte!
LINCOLN
CARTAXO DE LIRA
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