quarta-feira, 29 de setembro de 2021

O profissional especializado

 

             Qualquer pessoa com meio neurônio sabe perfeitamente do grande avanço da tecnologia, da informatização, da robótica, da googlitização da cultura, da telecelularização das relações humanas...  Porém - e que porém! - o que me chama mais atenção nesses estereótipos pós-modernos é o nicho das especializações de profissão.

            Em todos os lugares as pessoas se queixam da vida: estresse, trânsito, correria, insegurança, colesterol, triglicérides etc. E para resolver ou atenuar esses males que tanto os afligem, buscam desesperadamente os profissionais, por exemplo, da medicina, de acordo com a sua área específica de atuação – ao gosto do freguês.

            Bastas dar uma olhada na cidade para ver uma infinidade lista desses profissionais da saúde, com perfeita visibilidade em placas, painéis, outdoors, sem falar das redes sociais, para nenhum guru de marketing botar defeito. É uma loucuuuuura!

            O bom humor irritante dá lugar a um mau humor irritante – como, depois dos 60, os relógios biológicos já não são nenhum rolex, expostos ainda a uma “via crucis” de consultas, e na hora do “vamo-vê”, chega-se ao diagnóstico, muitas vezes preliminar, que você deve procurar certo especialista no ramo, aí vem: acupuntura; alergia e imunologia; anestesiologia; cardiologia; angiologia e cirurgia vascular; cancerologia; clínico médico; endocrinologia; gastroenterologia, hematologia e hemoterapia; nefrologia; infectologia; nefrologia; otorrinolaringologia... Chega!!!

            Dando-se ainda por satisfeito, quando não é despachado para algum outro centro médico mais avançado – bem longe, em razão de não ter sido descoberto o seu problema de saúde – sem eira nem beira.

            Daí me veio à lembrança da histórica de dois amigos bebendo num barzinho:

            - Pô, cara, você parece abatido. O que o está atormentando?

            - Nem te conto, meu amigo. Estou com uma dor insuportável no testículo esquerdo.

            - Não se preocupe com isso. Tive um problema semelhante e meu médico curou num piscar de olhos.

            - Então me dá o endereço desse médico.

            Continuaram bebendo e, ao se despedirem no final da noitada, o doente lembrou:

            E o endereço do médico?

            O outro sacou um cartão de visitas do bolso e, passando ao amigo, acrescentou:

            - Pode procurá-lo, que esse médico é um craque no assunto.

            Só que, por engano ou pela bebedeira, passou o cartão do advogado dele.

            Dia seguinte, o paciente estava bem cedo no endereço do cartão:

            - Doutor, eu estou com uma dor incrível no testículo esquerdo.

            O advogado não entendeu nada, mas não queria perder o cliente:

            - Sinto muito, meu amigo, mas sou especialista em DIREITO.

            E o sujeito, impressionado:

            - Cacilda! Vá ser especialista assim no inferno!

 

                                    LINCOLN CARTAXO DE LIRA

                                       Advogado, administrador e escritor

               

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Cine Éden

 

           Eu era garoto, não tinha entrado na adolescência, mesmo assim, jamais consegui me libertar das imagens de então, associadas ao velho Cine Éden, cinema localizado na minha cidade natal (Cajazeiras). Com fachada meio sombria de um azul anil desbotado, para um moleque, a verdadeira caverna de sonhos, com todos os tesouros de magia, fascinação... 

            E me veio à lembrança, quando fui barrado pelo Juizado de Menores (rábula, Zezé Moreira) ao tentar assistir um filme proibido para menores de 14 anos. E aí, meu leitor, fiquei com olhos marejados e fiz força pra não chorar, tamanha era a minha vergonha e desapontamento. Apesar de estar usando camisa de manga cumprida e calça social só para ver se dava pra entrar no cinema. 

            É, ressalte-se, um tempo em que o estudo era grande, o tempo era largo e o dinheiro curto, que só dava mesmo para pagar a meia entrada.  

            Todos os pares de olhos voltados para o retângulo da tela panorâmica superscope, no instante que o senhor Carlos Paulino (dono do cinema) acionava a cigarra para que o projetista desse início à sessão, como também, ao seu auxiliar (acrobata de tirar o fôlego) para fechar as grandes janelas através de uma cumprida trava de madeira. 

            De repente uma cortina bordô pesada se abria para a sala de projeção, onde saia o feixe de luz levando o espectador a rir, chorar e se emocionar, e antes de desligar todas as luzes, o operador deixava uma iluminação mais fraca durante a apresentação do Canal 100, no qual fazia ver o lado lírico, dramático, delirante do futebol brasileiro, sob a direção fantástica de Carlos Niemeyer. 

            Quase sempre o filme era antecedido pela trilha sonora da lendária banda The Pop’s (Driving Guitar, O Guarany, Noturno de Chopin, Johnny Guitar...), enquanto chupávamos as balas compradas em sua modesta bomboniere.  

            Assisti muitas coisas, naquela época. Mas as recordações marcantes são dos filmes com Ben Hur, Os Dez Mandamentos, Cleópatra, Laurence da Arábia, Spartacus. Destaque para esse último: a história real do escravo rebelde Spartacus , com Kirk Douglas, numa interpretação marcante e comovente, talvez possa ser considerado uma obra-prima dos grandes clássicos do cinema épico de todos os tempos. 

            Vez por outra, dependendo da localização do assento, o mau cheiro de urina, pelo menos, não fazia distinção de classe social, atingia inexoravelmente a todos desse fedor cinemático. 

            E o melhor: a quebra das fitas durante a exibição era um deus nos acuda, levava a sessão a ser interrompida para o conserto, debaixo de vaia ensurdecedora da plateia. 

            O domingo igual a qualquer outro, estava eu lá na porta do cinema para pegar a matinê, levando pilhas de gibis para trocar com outros cinéfilos. 

            Soube, por amigos, que ele resistiu até o fim, diante da fúria da televisão, seguido pelo vídeo cassete paralelamente com a explosão das locadoras. Ficou por meses exibindo os mesmos filmes, alternando apenas os cartazes, até cerrar as portas de vez, dando lugar (acredito) a um estabelecimento mercantil ou para alguma igreja sem eira nem beira. 

            Desaparecendo, assim, uma usina de sonhos e magia dentro daquela que já foi a sétima arte e hoje tornar-se, cada vez mais, uma indústria de frias regras comerciais. Em bom e velho português: “mercenários”.  

            No cenário mais verossímil o grito estridulante de Johnny Weissmuller, o Tarzan do cinema, dava mostra que o sonho não tinha limites. E o sonho era, no mais das vezes, americano. 

 

                                        LINCOLN CARTAXO DE LIRA

                                                     Advogado, administrador e escritor

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Jamais desista de seus sonhos

 

          Ao passar os olhos na história, sem aquela nossa costumeira visão e prática tupiniquim (há anos luz da realidade), registra-se a lucidez plena de contemporaneidade do cara que faliu nos negócios aos 31 anos. Foi derrotado em uma eleição para o legislativo aos 32 anos. Faliu outra vez nos negócios aos 34 anos. Perdeu seu primeiro grande amor aos 35 anos. Teve um calapso nervoso aos 36 anos. Perdeu outra eleição aos 38 anos. Perdeu as eleições para o congresso aos 43, aos 46 e aos 48 anos. Perdeu uma disputa para o Senado com 55 anos. Fracassou na tentativa de se tornar vice-presidente aos 56 anos. Perdeu outra disputa para o Senado aos 58 anos.

            Até que, aos 60 anos, foi eleito, e se tornou o maior presidente da história dos Estados Unidos da América. Seu nome: Abraham Lincoln, o homem que nunca desistiu de seus sonhos.

            Na vida, temos que tomar muitas decisões. Mesmo diante dos possíveis fracassos, jamais desistir. Os riscos, inerente das decisões, precisam ser enfrentados, porque o maior fracasso da vida é não arriscar nada. A pessoa que não arrisca, não faz nada, não tem nada, é nada. Pior: essa doença é como tantas outras, ela pega!!

            Isso é uma coisa. Outra é adotar – por desleixo, soberba e incompetência – situações que levam ao sucesso fácil, na vitória sem luta.

            Dá pra sacar? Lembra aquele adágio popular: “se cochilar, o cachimbo cai; se abaixar para apanhar...” - vocês sabem. E mais: não nascemos para o fracasso. Somos candidatos naturais a uma vida feliz, plena de sonhos e realizações. Como diz o dito: a vida é uma soma de equívocos e acertos. A frase até que é surrada, né? Mas é real. 

            Li não sei onde que uma empresa (multinacional) estava iniciando as operações no Brasil, ao entrevistar um candidato para uma posição na área financeira, o entrevistador disparou a típica pergunta final de processo de seleção: “O que o senhor gostaria de ser nessa companhia?” “Quero ser o presidente”, o candidato respondeu sem rodeios. O entrevistador seguiu argumentando: “Mas até aí todo mundo quer...” “Mas eu vou ser”, sem titubear, manifestou o candidato.

            Já como empregado da empresa, sua meta era: fazer o impossível, com garra e talento. Seus colegas de trabalho acharam que era pura insanidade. Só que ele atingiu o posto de presidente da companhia – seu gol de placa que ele tanto almejou.

            Prova viva, vivíssima, mais que seu objetivo, o que importa é a força que você tem para lutar por ele.

 

                                       LINCOLN CARTAXO DE LIRA

                                    Advogado, administração e escritor

 

 

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

O dançarino

 

            Pode parecer piada, uma gozação. Antes fosse. Mas foi exatamente o que aconteceu quando pivete lá no interior, na cidade de padre Rolim – Cajazeiras, onde o entretenimento que a gente mais desfrutava era ir ao cinema ou, vez por outra, algum pequeno circo. 

            Época em que foi encenada a maior história de amor de todos os tempos: Romeu e Julieta. Esse Shakespare que ganhou as telas pelas mãos do diretor Franco Zeffirelli, que fez um sucesso estrondoso no auge da fase do amor livre, em 1968. 

            Pois bem: foi justamente nesse período em que se anunciava pelas ruas dessa abençoada cidade, através do precário serviço de carro de som, o inusitado show do “Homem que dançava twist de cabeça para baixo”. 

            O referido estilo de dança marcou a década de 60. Teve sua origem nos Estados Unidos por uma simbiose de ritmos como rock and roll, jazz e outros. 

            Essa atração artística tomou conta da cidade. Era só o que se falava. Um acontecimento inédito. Jamais visto! Pois, dançar twist com os pés já era difícil, imagine dançar de cabeça para baixo. 

No contorcionismo circense existem muitas poses possíveis de serem feitas e muitas delas são realmente impressionantes, chegam desafiar a elasticidade do corpo. Daí a razão de suscitar tamanha curiosidade para ver a proposta desse desconhecido “show man”. 

Tempos de hoje: aos olhos do especialista em “show business”, uma espécie de visão técnica sofisticada, futuristicamente brilhante a ideia e imaginativamente hollywoodiana. 

É chegada à hora do show. Mas de repente, assim mesmo, no mais que de repente, da expectativa fez-se a decepção, fez-se de falso quem se fez verdadeiro, de obscuro que pareceu claro... O inesperado dançarino entra no palco do modesto Clube 1º. de Maio, já com todas suas dependências lotadas, após o anúncio pomposo e estrepitoso do apresentador ao “maior espetáculo da terra”. 

Em seguida, diz algo como “Oi, quero agradecer a presença de todos...”. De supetão, ele emenda: “Ah, meu nome é Mário...”. De baixíssima estatura (anão) e rechonchudo. Com cabeça mais espessa e arredondada. Uma calota craniana mais achatada que o normal. Depois, ele simplesmente sobe pra uma mesa velha, com auxílio de um tamborete, faz o conhecido “plantar bananeira” (ato de ficar de cabeça para baixo com o corpo equilibrado sobre as mãos), ao som musical do rock and roll, movimentava os seus pés, girando à volta num tipo rodopio. Porém, completamente fora de sincronismo. 

A gente com semblante de “zé mané” ficamos perplexos com a cara de pau do  travestido artista, por sua encenação ridícula, feia, grotesca e caricata. 

Acho não, tenho certeza, que o indefectível Mário se arrependeu do dia que nasceu quando vislumbrou a ideia de produzir esse “espetáculo”. Choramingou com medo de morrer, diante da fúria do pessoal (público). Pense no “arranca-rabo” em que se meteu. 

O tumulto foi geral. Como não bastassem as sonorizadas vaias, todos exigiam a devolução do dinheiro pago pelos ingressos. Tanto o apresentador e o tal Mário estavam mais perdidos que cego em tiroteio. 

Um verdadeiro furdunço! O local estava mais parecendo o estádio La Bombonera, do argentino Boca Juniors, em dia de clássico. 

Entre mortos e feridos. Farpas e venenos. Não deu outra, tiveram que chamar a polícia. Não sei o desfecho, Só sei que não fui ressarcido do dinheiro pago pelo tão aclamado show que, por um momento, cismei surfar na onda do som irreverente, quase insano, de Litte Richard (Tutti Frutti), combinado com a perfeita coreografia magistral dos passos de Fred Astaire e Gene Kelly. 

                           LINCOLN CARTAXO DE LIRA

                                   Advogado, administrador e escritor

 

 

quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Vergonha nacional

Um amigo meu tem uma tradução livre do pensamento de Montesquieu. Diz que a pessoa não se detém por ser honesto, mas por ter medo.
            Diante do mensalão, malas, cuecas, cafetinas, caseiro, quadrilhas, traições, sanguessugas, xeque mate, cartões corporativos e agora mais um Boletim de Ocorrência chamado de rachadinhas; nem por este sentimento (de medo) a classe política consegue deter-se moralmente.
            Essa mesma população, que volta e meia acusa todos os parlamentares de corruptos e safados, entre outros adjetivos mais chulos, mas logo depois muda de canal e esquece.
            Tristeza, vergonha, revolta e frustração. E não é só. Dizia Aparecido Torelly – o Barão de
Itararé que “o homem que se vende recebe sempre mais do que vale”.
            Insensível às críticas e insaciável, a classe política não se contenta com os milhares de órgãos públicos que já manipula. Busca, desenfreadamente, a criação de mais municípios, com vista à ampliação (as bases) de seu poder e maiores possibilidades de novos “negócios” capazes de aumentar o patrimônio.
            Para se safar, praticam o mais desabrido compadrio, proclamando a meritocracia e as
virtudes de impessoalidade; são boçais e adoram arrotar honestidade.
            O absurdo quiproquó das CPIs, entre sacos e pontapés, alguns abaixo da linha de cintura, pode até parecer teatro épico. Mas é a velha conhecida chanchada brasileira, onde a “balcanização” dos acordos é o epicentro. Cabendo a oposição, por sua vez, a espetacularizar e a novelizar o escândalo.
            A teatralidade dos políticos na mídia, principalmente na televisão, é soberba e ao mesmo tempo cosmética. Rolando ali todo tipo de jogo, truque, ilusionismo verbal e a arte da metalinguagem política, com vista a provocar
rosnados e latidos éticos.
            Devemos, sim, exercer o nosso espírito crítico em relação aos políticos, medindo suas mentiras, aferindo o que propõem de consistente, para substituir o marketing pelo debate, para que a vida moral e a do poder sigam em convergência aos anseios da população.
            No Brasil, porém, circunstâncias e casuísmo costumam prevalecer sobre a construção da democracia. Daí minha teoria de que é problema de DNA histórico da cultura política. Com ressalva para poucas figuras notáveis de nossa representação.
            Bom... Meio inusitado continuarmos com aquele nossa velha mania de que os desonestos são uns coitadinhos e os honestos uns chatos, bobalhões, reacionários, idiotas, conservadores e por aí vai.
            E ainda: é uma vergonha para população saber que a classe política brasileira pode cometer os mais diversos crimes na certeza de que jamais virão a pagar pelos seus atos.
            A Justiça, por sua vez, tem meia culpa por esse estado de coisas. Atentando contra as provas, contra a lógica, contra o bom senso, contra a justiça. Provocando um sentimento de inominável decepção: ué, e ele está solto?
            Todo mundo está “um pote até aqui de mágoa”. Como diz o meu amigo predileto Cordeiro: “
Saltar do penhasco parece mais fácil”.
            Gostei, mas gostei mesmo, foi ter presenciado um diálogo em que o cara vira para outro e fala: “Pô mano! Tu és político? Por que não falou antes!”... hahahaha, caíram na gargalhada.
            É uma pouca-vergonha! 

                                                     LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                                   Advogado, administrador e escritor.