quarta-feira, 30 de junho de 2021

Vale a pena copiar

       Surfando nas ondas da “internet”, como dizem os nossos jovens, descobri como é a filosofia que dirige o sistema carcerário japonês, diferente do que rege todos os outros presídios ocidentais, que tentam reeducar o preso para que ele se reintegre a sociedade.
            O objetivo, no Japão, é levar o condenado ao arrependimento. Como errou, não é mais uma pessoa honrada e precisa pagar por isso.
            Os métodos para isso são duros para nossos olhos, mas em nada lembra os presídios brasileiros, famosos pela superlotação, formação de quadrilhas, violência interna e até abusos sexuais. Outra coisa: organização e limpeza imperam; detentos têm espaço de sobra; ficam no máximo seis por cela; estrangeiros têm quarto individual; ninguém fica sem trabalhar e não tem tempo livre para arquitetar fugas; o dia do preso japonês começa às 6h50 .; às 8h. ele já está na oficina trabalhando nas confecções de móveis ou brinquedos; só para por 40 minutos para o almoço e trabalha novamente até às 16h40 ; durante todo este período nenhum tipo de conversa é permitido, nem durante as refeições; às
21h tem que retornar ao quarto, de onde só sairá no dia seguinte; os banhos não fazem  parte da programação diária; no verão eles acontecem duas vezes por semana; no inverno apenas um a cada sete dias.
            Logo ao chegar à penitenciária, os presos recebem uma rígida lista do que poderão ou não fazer: olhar nos olhos de um policial, por exemplo, é absolutamente proibido; cigarro não é permitido em hipótese alguma; na hora da refeição o detento deve ficar de olhos fechados até que receba um sinal para abri-los; qualquer transgressão a uma das determinações e o detento termina numa cela isolada.
Apesar de oferecer tudo o que teria num quarto normal (privada, pia e cobertor), ela tem pouca iluminação. Se houver reincidência na falha, será punido com algemas de couro, que imobilizam os braços nas costas. E o interessante é que não se nenhuma ou quase nenhuma “ONG” de direitos humanos interferir no sistema.
            Não sei se este é o modelo ideal?  Mas que funciona, funciona muito bem. Não é por acaso
que é o Japão é um dos países com menor índice de criminalidade do mundo.
            O governo criou a figura “esdrúxula” – para justificar a crise penitenciária – a
falta de recursos para construção de mais presídios e a ampliação dos já existentes. Tem dinheiro para construir centro de convenções, transposições de rio, patrocinar uma copa de futebol e por ai vai, mas não se tem verba para investir na dignidade do ser humano.
            Deixando-nos
embatucados, inseguros e desafiados, a um só tempo, com essa “embromación” de argumento. Observações vagas e bastante prosaicas, ainda do tipo “está bom, mas pode ser bem melhor”.
O interior, as tramas mostradas para TV “scripts” de como é o mundo lá dentro, está muito, e muito longe da realidade que passa em nossos presídios. A mente é para dar forma ao corpo. Impossível é que o corpo dê forma à mente. O apenado tem que
estar constantemente em atividade, seja através do trabalho ou da educação.
 Não só o trabalho, mas a escola é a principal instituição para reabilitar o homem, erguer um país e sustentar a democracia.  
 E mais: não há mais como esconder ou escamotear a crise que
passam os nossos presídios. Vamos acabar o faz-de-conta. Deixar de dizer coisa com coisa. Nesse processo, inexistem soluções milagrosas, que mascaram a possibilidade da recuperação do preso e sua reinserção na sociedade. O resto é perfumaria – como diz um especialista no assunto.
Não faz muito tempo, li em algum jornal, no epicentro de um drama folhetinesco: presos seminus, famintos e espremidos numa cela, gritando desesperadamente por decência. Caso tipo de fuzilamento moral sumário; tornando-se irreversíveis depois de consumados.
Assim, aguardamos, em clima de fim de novela, os próximos capítulos sobre esse tema tão “careta” (em razão do descaso), que para os japoneses já não são, porque eles já dispõem o antídoto garantido para debelar essa vergonhosa “patologia” prisional. 

LINCOLN CARTAXO DE LIRA
            
Advogado, administrador e escritor

           

 

 


terça-feira, 22 de junho de 2021

Jeitinho brasileiro


Talvez o tema não chame muita atenção, pelo fato de ser uma prática comum da paisagem de nossa vida cotidiana. Cuja regra: é a imposição do conveniente sobre o certo. É o tal pragmatismo tupiniquim: se dá certo é certo, sendo que, “dar certo”, equivale a resolver meu problema, ainda que provisoriamente.

Podemos até dizer que é quase impossível viver no Brasil sem ter que frequentemente dar um jeito em alguma coisa. Será que esta realidade realmente não pode ser mudada? Será que ainda é possível dar um jeito no jeitinho?

O jeitinho é sempre uma forma especial de resolver algum problema ou uma situação difícil ou proibida. A solução exija uma forma especial, eficiente e rápida de tratar o problema. Não serve qualquer estratégia. Ela tem de produzir os resultados desejados a curtíssimo prazo...  não importa se a solução encontrada é definitiva ou não, ideal ou provisória, legal ou ilegal.

O nosso divertido “jeitinho” está associado à malandragem, a favorecimento, a corrupção. Comumente o brasileiro reage bem à vida adaptando-se a situações difíceis, “somos o povo mais plástico do mundo...  damos um jeito em tudo”. Diz um adágio que, para o norte-americano, se alguma coisa não funcionar direito, consulta-se as normas. Para o brasileiro, se alguma coisa não funcionar, dá-se um jeito, afinal tem de dar certo de um jeito ou de outro.

O jeito, segundo o professor de teologia Lourenço Stelio Rego, é a síntese do caráter brasileiro e tornou-se uma estratégia que se espalhou pela sociedade e se fixou na vida do povo como alternativa ética diante do sistema de normas estabelecido.

Para alguns, ele é percebido e reconhecido longe de ser algo escuso, embaraçoso. O jeitinho é admitido, louvado e condenado, que gasta mais energia mental do que emocional na busca da solução ou da saída de uma situação opressiva ou indesejável.

No “bê-a-bá” da questão, ele já faz parte do brasileiro e contagiou a brasilidade. Diante do jeito não há sacrário que resista, nem placa “entrada proibida” que não provoque a política do “vai se quebrar o galho pra você”, “a gente se vira”, “vai se dar um jeito”, “não há problema”,  “isso é apenas formalidade”,  “por baixo dos panos”.

Apesar de tudo, o jeito não pode ser visto só pelo lado negativo. Ele pode ser ambivalente, isto é, servir tanto para o bem quanto para o mal. Serve para alguém se livrar da norma, “quebrar o galho”, mas serve também para trazer benefícios numa situação difícil ou inesperada, através da sua inventividade e criatividade.

Quando é para fugir das crises, lá vem o jeitinho – o brasileiro é um perito inventar profissões: guardador de carros, cambista de ingressos, vendedor de lugar na fila, carregador de bolsas na feira-livre, mula para atravessar fronteira.

Mas o lado triste do “jeito ou jeitinho” é quando àquele se acha que a lei não foi feita para ser obedecida.  Seja burlando alguma regra ou norma preestabelecida, seja sob forma de conciliação, esperteza ou habilidade. Aí é quando ocorre o perigo da união incestuosa entre o jeito e a corrupção.

Logo, para que se dê um “jeito no jeitinho” o país tem que dá um exemplo de “decência”. CHEGA de autoridades (pop star) infratores da lei, de impostos em excesso, hospital gratuito mais parece açougue, aposentadoria até parece piada e escola oficial oferecendo ensino péssimo, quando não está em greve. E MAIS: a pessoa precisa sobreviver, não consegue emprego e não tem condições de legalizar uma firma.  Lamentavelmente, não há saída, a não ser passar por cima da lei e dar vazão ao espírito libertador para sobreviver.

 

                             LINCOLN CARTAXO DE LIRA

                                     Advogado, administrador e escritor

 

terça-feira, 15 de junho de 2021

O atendimento ao cliente

Tenho que dar a mão à palmatória e voltar atrás na crença tradicional da teoria de que “o SEGREDO é a alma do negócio”.  Agora, devo admitir de forma concisa e verossímil que “o ATENDIMENTO é a alma do negócio”.
            Tal mudança de paradigma surgiu a partir do momento que adentrei num desses grandes magazines aqui em nossa cidade, com vista à compra do presente para minha querida consorte (Socorro Gadelha) – dia dos namorados, que passei seriamente a rever esse antigo modelo, que há tempo é pregoado como fórmula de viabilidade e perpetuação dos negócios.
            De quem esperava um ATENDIMENTO adequado, para não dizer “fantástico”, como recomenda os mandamentos do encantamento ao cliente.  Tive que suportar a apatia, a má vontade, a frieza, o desdém, o robotismo daquele que ali estava, simplesmente, para me servir bem!  Uma vez, servindo bem, criamos de forma natural, a obrigação dos outros retribuírem, seja em forma de elogio, recomendação, reconhecimento etc.
            Pouco a pouco, fui me dando conta dessa situação esdrúxula. Chateado, fiquei me perguntando se eu merecia isso.  Devo ter um parafuso a menor, pois não consegui compreender a razão desse faz de conta.
            Talvez não.  Mas talvez sim. O que mais me chocou mesmo foi a empresa, através de seus empregados, ter usado um dos golpes mais
baixos do ser humano: a ironia.  Então, revoltado, pus a refletir: até onde vai o limite da intolerância e ignorância do homem.
            Mas de repente, assim mesmo, não mais que de repente, da esperança de comprar um bom presente fez-se a decepção, fez-se de falso que se fez de verdadeiro, de obscuro o seu comercial que pareceu claro, de complexo quem se mostrou tão simples.
            Pesquisas da US News confirmam que a insatisfação com o ATENDIMENTO é a principal causa da perda de cliente.  Cerca de 68% das vezes que um cliente vai embora - e não volta nunca mais! - tem como causa a insatisfação com a atitude do pessoal.  Na realidade, o cliente não vai embora da empresa, ele é expulso! - por empregados despreparados, desmotivados e descompromissados.
            No mais, reforcei o meu aprendizado que, além do mundo WALL STREET, nossos empresários precisam colocar mais DISNEY em seus negócios.
            Ah!  Quanto ao presente, comprei sim, noutra loja onde fui tratado como verdadeiro patrão. Pois essa história de “vestir a camisa da empresa” é coisa do passado.  Ou seja, só vestindo a camisa do cliente, a empresa pode realizar sua meta maior: O LUCRO!!!            

                                            LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                         Advogado, administrador e escritor.

 


quarta-feira, 9 de junho de 2021

Curso de datilografia

 

             Ao entrar numa loja que vende móveis usados, localizada na nossa tradicional rua da República, fui tomado de surpresa quando vi, isolada no canto, uma antiga e surrada máquina de escreve Olivetti. Pronto. Nostalgia estava no ar.

            Vasculhando minha memória, lembrei, ainda adolescente, à época, a datilografia era requisito básico para a obtenção de um emprego em escritórios, bancos, concursos etc. E para aprender a ter a velocidade no uso dessa máquina de escrever sem olhar para o teclado, e sim apenas para o papel, era necessário recorrer às escolas especializadas, onde os cursos treinavam, por repetição, o futuro datilógrafo, condicionando-o a teclear sem olhar as letras. Só, então, era possível tirar o ambicioso diploma.

            A argúcia saudosista persistia. Naquele tempo eu já começava a ter ideia que a vida não é tão arrumadinha como a gente gostaria. Sendo mais prático: o mundo não tem doçura, não tem paciência, não para para ouvir. Apesar dos percalços, o curso de datilografia era o início de tudo para quem quisesse conquistar um bom emprego.

            Certo dia, lá pelo o início da década de 70, a escola de datilografia que eu frequentava na rua Barão do Abiaí, quase em frente à Superintendência do INSS, ouvi um diálogo entre dois colegas mais ou menos assim:

            -Quer saber de uma coisa? Para mim chega. Tô fora!

            -Também não dá para continuar batendo nessa máquina.

            -É coisa de doido. Vou terminar tendo um “piripaque” de raiva.

            -Pode crer. Estou indo embora. Tchau!

            Exagero na dose (de manifestação)! Contudo, mesmo sabendo da precariedade das máquinas do tipo Remington, Olivetti, Hermes Rocket, instaladas nessa modesta escolinha, não impedia que atingíssemos os nossos objetivos. Neguinho para pegar uma máquina em bom funcionamento tinha que chegar às aulas mais cedo. Ficava ali cochilando, sentado na recepção, aguardando a minha vez para dar início ao meu aprendizado.

            Por outro lado, a professora, com ares de durona, não dava espaço à conversa fiada: “Vamos lá, turma! O tempo está esgotando”. Cá entre nós, pense no sufoco. Seria risível se não fosse trágico.

            O processo era simples: digitava-se, por exemplo, as letras “A”, “S”, “D” e “F” com dedos mindinho, anelar, médio e indicador respectivamente. Nada de usar só o indicador nem olhar para as teclas! Depois eram feitos exercícios com todas as outras letras, sempre utilizando a técnica da memorização. Em seguida vinham as palavras, concluindo com o ditado ou cópia dentro de um prazo pré-estabelecido.

            O fim das escolinhas de datilografia decorre das ideias avançadas, costumes avançados, tecnologias avançadas: tudo em nome do mundo da informática.

 

                                    LINCOLN CARTAXO DE LIRA

                                     Advogado, administrador e escritor