Certa
feita disse um folião que “em nosso sangue corre carnaval”. É verdade, sim.
Desde garoto, lá em Cajazeiras, que sou um entusiasta da festa momesca. Até
hoje, com estilo e bom humor, gosto de me fantasiar para preservar a tradição e
a irreverência desse nosso patrimônio artístico e cultural.
É, de fato, uma festa estupenda e
inigualável. Confesso que o carnaval de outrora era bem mais deslumbrante,
bebia-se com destemor, é claro, mas naquele tempo tínhamos mais segurança e os
nossos fígados jovens ainda podiam transformar o líquido etílico em arroubos de
amor e poesia.
Vocês sabiam que o autêntico
carnaval da Bahia teve sua origem no frevo pernambucano? Pois bem: em 1950, o
Clube Carnavalesco Misto Vassourinhas do Recife foi convidado a se apresentar
pela primeira vez fora de seu estado. Destino: Rio de Janeiro. Uma das paradas
da longa viagem de navio era Salvador. Na época, a capital baiana até então
comemorava o carnaval de forma tranquila, quase bucólica. Sabendo sobre os
visitantes ilustres, alguém teve a ideia de convidar o grupo para uma
apresentação pelas ruas da cidade.
Meio inusitadamente ao entrar na
Avenida Sete de Setembro ao som da “Marcha Número Um”, o mais conhecido frevo
da história, a cidade se transformou. Um grupo começou a seguir a banda e, em
poucos minutos, uma pequena multidão atropelou tudo o que via pela frente, com
trombadas, empurrões, safanões.
Por mais escalafobética que fosse
essa manifestação, os integrantes do Clube Vassourinhas não faziam ideia de que
aquela apresentação confusa e improvisada seria a inspiração do carnaval baiano
como se conhece atualmente. Entre os foliões que acompanhavam o frevo rasgado
do clube estavam Dodô e Osmar, dois amigos que há tempos planejavam sair pelas
ruas da cidade durante o carnaval a bordo de um Ford 29 apelidado de Fobica.
Foi uma tremenda loucura, o povo
pulando. Foi aí que Osmar falou: “Dodô, vamos sair tocando essa música”. No
carnaval do mesmo ano, a dupla passou a tocar os frevos do Vassourinhas. Estava
criado o Trio Elétrico de Dodô e Osmar. E o carnaval de Salvador nunca mais foi
o mesmo.
Não é por acaso que o acontecimento
histórico inspirou Moraes Moreira a compor “Vassourinha Elétrica”, de 1980:
“Varre, varre, varre, Vassourinhas/Varreu um dia as ruas da Bahia(...) Abriu
alas e caminhos pra depois passar/ O trio
de Armandinho, Dodô e Osmar”.
LINCOLN CARTAXO DE LIRA
Advogado
e Administrador de Empresas