segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Tradutor das complexidades brasileiras



            Com seu dom extraordinário para a escrita, Nelson Rodrigues tornou-se um dos mais complexos tradutores da alma humana, seja como jornalista, dramaturgo, cronista ou contista. É difícil não se deleitar com qualquer texto de sua lavra. Com destaque para a rica estilização do dialeto urbano.
            A partir de miudezas cheias de significado, publicava sem temor suas opiniões, por mais radicais e polêmicas que fossem. Atacava personagens nos quais via a hipocrisia da época. E olha só: pela linguagem desafiadora e incômoda, não perdoava seus novos e antigos amigos e inimigos. Ele chegava sempre com um “timing impecável”.
            Até hoje seus comentários merecem reflexão e discussão. Concorde-se ou não, pelo menos, num ponto, há uma confluência de opiniões, no que tange a capacidade que Nelson Rodrigues tinha para traduzir as complexidades brasileiras em poucas palavras. Parece que ele nasceu com o chip de ironias e provocações bem-humoradas. A exemplo do vezo filosofante burlesco de nosso “complexo de vira-latas”.
            No bom sentido. E no mau.Tenho a mais convicta das certezas de que se Nelson fosse vivo transformaria o Brasil em anedota, diante da atual classe política tradicional, profundamente impopular e desacreditada; sem falar do festival de argumentos fajutos e de euforias artificiais dessa trupe.
            Sobre a morte, assim ele se manifestou: “desde garoto sou fascinado pela morte. Em vez de ter medo, ia peruar enterro. Não tinha medo nenhum, e volta e meia me infiltrava nos velórios. Achava uma coisa fantástica a chama das velas. Hoje os nossos velórios perderam isso, é tudo luz elétrica. Uma falta de respeito. Antigamente havia os gemidos na hora do enterro. Era apaixonante”.
            Quanto à ditadura da beleza, exigindo medidas perfeitas, corpos magros, dizia: “nenhum gordo gosta de ser gordo. Sobe na balança e tem um incoercível pudor, uma vergonha convulsiva do próprio peso. No entanto, pior do que ser gordo é ser magro, que são pessoas perigosas, suscetíveis de paixões, de rancores, de fúrias tremendas. A banha lubrifica as reações, amacia os sentimentos, amortece os ódios, predispõe ao amor. Na verdade, há uma relação sutil, mas indiscutível, entre a barriga e o êxito, entre a barriga e a glória”.
            No centenário desse autor das teses rodriguianas, falar que não gosta da sua obra é de um cinismo piegas e ideológico de quem não se deu ao trabalho de ler a sua produção literária e o mais difícil: entendê-la.


                                                                      LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                                                      lincoln.consultoria@hotmail.com
                                                                      Advogado e Administrador de Empresas

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Praça da (In)dependência



            As coisas são assim, dão certo e dão errado. Pessimismo nunca foi a minha praia. Assim, acredito que o recém-empossado prefeito Luciano Cartaxo vai dar, finalmente, uma atenção toda especial a Praça da (In)dependência. Logradouro este de lapidar localidade, onde sai à principal via urbana da cidade, a Avenida Epitácio Pessoa.
            Enquanto encontramos nela árvores raras, como pau-brasil, ipê e abricó-de-macaco, por outro lado, temos o dissabor de encontrar uma praça completamente abandonada, como mato sem capinar, galhos de árvores secos espalhados, gradis destruídos, bancos desconfortáveis e imprestáveis. E o pior: sem qualquer atrativo para criança ou adulto.
            Além disso, o que ainda lhe falta? Falta vida. Falta cuidado. Pois o sucateamento é explícito: desleixo com seus jardins, caminhos sem trato e sem uma vigilância efetiva para dar segurança aos poucos que ali frequentam. Tipo de escracho e irresponsabilidade total.
  Longe dos trocadilhos bem ao gosto e estilo de certos gestores, urge, então, que se adote um espaço paisagismo organizado, com espelhos d’água, quiosques para vender lanches, ciclovias, anfiteatro para explorar as atividades culturais e artistas.
            Aos olhos de hoje, temos crianças de apartamento, confinada, com limites, que não conhece sequer uma praça. Pelo fato, simplesmente, não haver estímulo face ao descaso com essa importante área pública. Sabem-se quem curte os valores da praça tem uma possibilidade mais espiritualizada de ver o mundo, que é totalmente material.
            Foi-se o tempo em que a praça fascinava poetas, escritores e compositores e qualquer um que tivesse a oportunidade de se deliciar com aquilo tão bem definido nos versos antológicos da melodia “A praça”, do trepidante Carlos Imperial.
            Frequentemente, eu me pergunto: Porque se gasta tanto em outros equipamentos destinados ao povo - a exemplo do Parque Cuiá e Estação Ciências e Artes - se temos uma área prazerosa, já pronta, para nos proporcionar entretenimento muito mais interessante e mais barato? Como disse meu amigo Cordeiro, é coisa de republiqueta: do fracasso recorrente, mazela, vexame, vergonha. E da desesperança, eterna companheira.
            Ah, ia esquecendo! Quanto ao parêntese semântico de “(In)dependência” da praça foi a maneira de registrar a falta de respeito a sua histórica e a sua cultural, cuja “dependência” é fragorosa em tudo.


                                                               LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                                               lincoln.consultoria@hotmail.com
                                                                Advogado e Administrador de Empresas

               
               




domingo, 6 de janeiro de 2013

Gracias a la vida

            Digo sempre que meu bilhete premiado foi ter casado com a minha consorte.  Tipo de premiação que eu sempre desejei também para os meus filhos, no momento de encontrar a pessoa certa – através do amor – para dá sentido à vida cotidiana, fazendo com que cada dia seja especial, colorido e alegre.
            Nada de pieguice romântica, e sem querer ser versejador, aprendi cedo que amar significa aceitar um compromisso sem ter garantias, que dizer entregar-se completamente na esperança de que esse amor gere amor na pessoa amada. Senti mais forte essa percepção quando o diácono Eduardo Henrique (feitio do cantor Barry White: voz e aparência física) consagrou, na última sexta-feira, a união da minha querida filha Larissa com o seu noivo Andrés, de nacionalidade colombiana – às vezes, brincando, falo aos meus amigos (em referência) que ele não tem nenhum parentesco com o Pablo Escobar e tampouco tem qualquer simpatia com o movimento revolucionário FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colombia).
            Coisa do destino: uma brasileira e um colombiano com objetivos profissionais se aventuraram em terras australianas. Mal sabiam eles que alcançariam muito mais do que imaginaram: o amor um pelo outro e a vontade de estarem juntos para sempre!
            Em uma longa conversa que tivemos recentemente, dias antes da cerimônia, disse-lhes que existem muitos caminhos possíveis e muitos atalhos prováveis para mudar o mundo para melhor, mas apenas um é infalível: o do amor! Como dizem: O amor não tem cura, mas é o único remédio para todas as doenças.
            Foi uma cerimônia bonita, em que tivemos a oportunidade de brindar com os nossos amigos e familiares essa ocasião de felicidade esplêndida. Uma solenidade clássica, dentro dos padrões tradicionais como manda o figurino. Com registro de cenas mágicas e imorredouras.
            Bom... Transpirando sentimento à flor da pele, confesso que fiquei com os olhos marejados e fiz força para não chorar diante desse baque emocional. Tal esforço estava estampado em meu rosto. Puxa, era indescritível o júbilo e o orgulho deste pobre mortal.
            É bem verdade que meu coração encheu-se de paz, cheia da força de Deus. Esse bálsamo se tornou mais consistente quando ouvi, ainda na igreja, a justeza dos versos da bela canção “Gracias a la vida”, tão conhecida pela interpretação majestosa de Mercedes Sosa. Então, pude ver ali que só tinha que agradecer à vida por ter me dado tanto – “Graças a la vida que me há dado tanto”.
            A vocês, Larissa e Andrés, vida longa e amor eterno.


                                                                 LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                                                 lincoln.consultoria@hotmail.com.
                                                                 Advogado e Administrador de Empresas

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

A falta de Luiz Gonzaga

É. Mais uma vez o Nordeste brasileiro sofre os efeitos terríveis de uma seca. Desde garoto que vejo essa dramaticidade. A bem da verdade é que as medidas tomadas pelos governos têm sido inócuas e despropositadas – providências cosméticas.  A partir do Imperador Dom Pedro II, tais medidas de afogadilhos não têm dado conta de resolver esse grave problema.
            Não custa lembrar que a população (estimada) cravada na referida região é de 28 milhões de pessoas, sendo que 39% delas estão diretamente afetadas, em que ainda moram na área rural. Um quadro de tristeza que já se banalizou. Virou uma epidemia. E aí, meu caro leitor, vale o clichê: contra fatos não há argumentos.
            Por coincidência, ou, mais provavelmente, não por coincidência, no centenário de nascimento de Luiz Gonzaga, sim, como nos faz falta a voz combatente e de protesto – através de suas canções – em defesa do povo nordestino. Ele materializava sua gente, sua cultura. Numa belíssima crônica, José Lins do Rego escreveu: “Gonzaga trouxe uma novidade à música brasileira. Trouxe o sentimento melódico das extensões sertanejas, das léguas tiranas, das asas brancas, do gemer dos aboios. As tristezas dos violeiros passaram para sua sanfona”.
            Apesar da clareza do diagnóstico, vemos a nossa região que tanto amamos de joelhos e indefesa diante de tantas mazelas perpetuadas por aqueles que deveriam nos livrar delas. Todo mundo espera, nada engrena, pois são personagens de velhos carnavais. Os desvalidos, ou os pobres-diabos, começam a ser visto como um pantanal de problemas, sem solução.
            A música de Gonzagão continua vigorosa, notadamente para os sem eira nem beira. Quando falava das dificuldades de sua região, ele respondia na lata, sem rodeios: “O Nordeste tem jeito, seu menino!”.
            Há exato 48 anos, em Cajazeiras, sei disso não por ter excelente memória (já foi boa, hoje, assim como a barba e joelhos, não é mais como outrora), mas pela certeza de que era o ano a que vim morar em João Pessoa. Pois bem. Foi lá, em praça pública, que assisti ao show do famoso Luiz Gonzaga, onde já retratava com maestria a saga do desespero e revolta dos nordestinos em relação à seca, e como sempre, lamentava e cantava: “Eu perguntei a Deus do céu, ai! Pra que tamanha judiação?”.
            Portanto, tudo que lhe diz respeito nos diz respeito. O recado de suas canções permanece vivo e é simples: esquivarem-se do mérito da questão, embute um reconhecimento tácito de derrota. E como o nordestino é antes de tudo um forte, é claro, não vai aceitar!
           

                                                    LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                                    lincoln.consultoria@hotmail.com
                                                    Advogado e Administrador de Empresas