quarta-feira, 24 de novembro de 2021

A emoção da pescaria

 

            Se há duas coisas que eu gosto de fazer na vida, além das óbvias, é pescar e cuidar de jardim. Porém, das citadas, que mais me fascina (como entretenimento) é a pescaria.

            Você que fica aí nesse chororó porque tua vida tá uma porcaria. Pois saiba que vai piorar. Levante-se, pegue um caniço e vá pescar. Antídoto este para qualquer adversidade.

             A emoção da pesca esportiva está na sua qualidade e não do seu resultado a ser alcançado: quantidade de peixes. Outra: se você tem certeza de que não vai comer o peixe que fisgou, devolva-o à água, para que ele se desenvolva e se multiplique. Conciliando, deste modo, preservação com o prazer da pesca.

             Sou da época - lá em Cajazeiras, garoto peralta que fui - não existia ainda essa parafernália de equipamentos para pesca, como existe atualmente. Tudo era simples: uma vara extraída da mata dos arredores da cidade, um fio de algodão e um anzol que logo se enferrujava.

            Bons tempos aqueles. Fosse às águas do Açude Grande, do Açude de Luiz Guarda ou da Barragem Santo Antônio, nada escapava da minha argúcia e sagacidade do hábito da pesca, aliado a uma paixão inarredável pelas coisas da natureza.

            Quem teve oportunidade conhecer de perto um verdadeiro pescador – aquele que vive da atividade pesqueira, certamente vai identificá-lo pelos costumes, o quotidiano, as conversas; quase sempre simpático, comunicativo, engraçado, disposto, elétrico e meio desfocado.

            Ademais, tem fama de inventar os casos mais incríveis. Certa feita, um velho amigo, com sua fina ironia, saindo em defesa de um pescador, disse: “Qualquer um sabe dizer a verdade, mas é preciso inteligência para mentir”.  À contrário da verdade, a mentira desenvolve a imaginação: “Pô mano! Falar a verdade é fácil,  difícil é mentir bem, como pescador”.        

            Começar o dia vendo a beleza do mar da praia de Lucena, sempre é um abre-te-sesamo. Um sussurro aqui, uma insinuação ali dos banhistas, não me incomoda se terei ou não êxito com minha pescaria. Pois “somos o que amamos”, é uma expressão que está incluída na fraseologia de Santo Agostinho.

 

 

 

                                                    LINCOLN CARTAXO DE LIRA

           

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

A ideia da morte

 

            Há poucos dias perdi um ente querido, e, na capela onde ele estava sendo velado, presenciei um jovem padre lhe prestando as últimas pregações religiosas.

            Fiquei comovido: com seu olhar, calmo, na mais pura calma como se pudesse controlar o tempo. Um mix de pensamentos, reflexões pessoais e sabedorias bíblicas, ele nos disse que vivemos uma vida na qual a morte é negada. Onde, ainda, em pleno século XXI, a morte é um sentimento que a maioria das pessoas não pode suportar. Consciente ou inconscientemente afasta a ideia da morte. É como negar (estupidamente) o fato de que todos os homens e todas as mulheres são mortais.

            Diante desse realismo dogmático - nada de surpresas e obviedades - afirmava o reverendo: “Para tudo há o tempo certo, inclusive tempo para nascer e tempo para morrer”. E completa: “Jamais pronuncie, nem por brincadeira: ‘Eu quero morrer’; ‘Não quero mais viver!’”.

            É grave miopia pensar diferente. Pois, nossa maior riqueza é a vida, e como ela, o amor e a presença das pessoas queridas ao nosso redor. Quem vive chamando a morte vai, também, pouco a pouco, perdendo o gosto pela vida, antecipando, assim, a sua própria destruição.

            Ora, vejam só. Quando eu era guri fechava os olhos à noite e imaginava o mundo continuando a existir para sempre. Imaginava, com completo terror, o mundo continuava para sempre e sempre... sem a minha presença. Até hoje guardo essa sensação dos cabelos da nuca arrepiados.

            Depois, já adolescente, por favor, Deus, eu rezava então, sei que não pode afastar a morte. Mas não pode dar um jeitinho para eu deixar de pensar nela? Assim, em minha cabeça, era a pergunta chamando por uma resposta, quiçá desconcertante ou que beira o grotesco.

            A verdade, viver é correr risco, a cada instante. Para vencer, é preciso ousadia, determinação, espírito de aventura e coragem para enfrentar os maus tempos e os ventos desfavoráveis. Quanto à morte, não vamos chegar ao extremo de querer deleitar-se, mas encará-la com naturalidade, sem medo, como um processo normal do ciclo da vida.

            Ah! Ia esquecendo! Para terminar, cai como uma luva a citação de Ovídio: “Tudo em nós é mortal, menos os bens do espírito e da inteligência”.

 

 

                                                    LINCOLN CARTAXO DE LIRA

                                                       Advogado, administrador e escritor

           

           

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Workaholic

 

             Estranho, né? O termo acima em inglês é usado para identificar aqueles tão viciados em trabalho, que acaba afetando de modo negativo a qualidade de vida das pessoas – com estresse, perturbação psíquica, síndrome do pânico etc.

            Por outro lado, em consonância alguns estudos acadêmicos apontam que a relação entre trabalho e prazer desmistifica essa crença disseminada de que quem trabalha muito padece de uma vida prazerosa e feliz.

            Ora, ora! Estar satisfeito com o que se faz é uma das maneiras essenciais de um ser humano adulto tornar-se saudável, já que o trabalho - que toma a maior parte do dia - certamente tem influência sobre a saúde mental. Por isso, proliferam por aí afora os “guias-minuto”, cujo eufemismo politicamente correto varia conforme a livraria, em categorias como “aprimoramento profissional”, “estratégia corporativa”, “psicologia empresarial”, “recursos humanos” ou “biografia de negócios”.

            Alto lá! Trabalho só tem um sentido: ter uma vida melhor hoje, e não amanhã. O amanhã pode não chegar, por isto aproveite hoje. Não podemos trabalhar ao ponto de perdermos de vista nossos desejos, anseios e necessidades. Onde leva o homem a ser tragado e engolido – no corpo, na alma e nos seus nobres valores intrínsecos – pela ambição, ganância e outras figuras típicas de uma competição espúria.

            No duro mesmo não precisa fazer ginástica intelectual para entender que o mercado já valorizou muito o perfil profissional do workaholic. Varia muito de empresa para empresa, mas hoje este conceito de trabalhar além da conta está totalmente fora de moda, a tendência é que cada vez mais todos se mobilizem em prol da qualidade de vida, sem abdicar da lucratividade e competitividade. Mesmo porque, não é o horário que valoriza se alguém é bom profissional ou não, pelo contrário.

            Certa feita, disse o hilariante jornalista José Simão “...e uma coisa é categórica: ninguém pode chamar o Fernando Beira-Mar de vagabundo, e sim, de um grande workaholicismo. Porque ele trabalha até preso, para administrar às suas atividades de narcotráfico. Pois, uma coisa organizada no Brasil é o crime organizado”.

            Brincadeira à parte, sem querer fazer trocadilhos baratos, todo trabalho tem seu encanto. Eu cresci (como muita gente) aos trancos e barrancos, à custa de um sacrifício pessoal gigantesco.

            Uma vida de total dedicação ao trabalho - sem obsessão. Longe de se tornar escravo da vaidade e da futilidade.

 

 

                                              LINCOLN CARTAXO DE LIRA

                                                 Advogado, administrador e escritor