domingo, 29 de setembro de 2013

O culto à beleza



       Há uma frase clássica que diz: “A beleza é apenas a promessa da felicidade”, escreveu Stendhal em 1822. E, para o capitalismo, nenhum outro indicador é mais revelador dessa importância do que as cifras que ela movimenta.
            As atividades econômicas direta e indiretamente ligadas a esse fenômeno estético respondem por algo em torno de 40% do Produto Interno Bruno (PIB) das economias modernas. O que leva a afirmar, sem exageros, que a beleza é a moeda mais importante do século XXI.
            Tá vendo. Assim, surgiu uma verdadeira indústria disposta a atender aos mais diversos tipos de exigências e gostos pessoais, tudo para que o consumidor fizesse parte de um mundo no qual sentir-se belo é o novo elixir do sucesso e da aceitação social.
            Às vezes, paro e penso: Afinal, a beleza pode ser mensurável? Como saber se uma pessoa pertence ou não ao grupo dos bonitos? No caso do Brasil - segundo país do mundo em número de cirurgias plásticas -, uma indicação de que bom número das pessoas não está contente com a própria aparência. Existe, pois, dados divulgados pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) que listam as principais cirurgias estéticas realizadas em 2011. Foram 211 mil procedimentos de liposaspiração, seguida do implante de silicone nas mamas.
            Fiquei bestificado com o estudo feito pela Universidade Federal de Pernambuco que mostra que 90% das meninas de 10 a 14 anos já fazem dieta. Não é à toa que haja uma epidemia de distúrbios alimentares. A mídia, por sua vez, é responsável pela disseminação de um ideal de modelo estético a ser seguido. Desperdiçando oportunidades de gastar o tempo com sabedoria.
            Enquanto estou traçando essas linhas mal escritas sobre beleza, vem-me à memória um depoimento que li sobre uma pessoa devastada pela cobrança estética – cheio de gracinhas e vazio de conteúdo. “Penalizei-me muito para ficar ‘perfeita’ após um relacionamento no qual o meu parceiro me julgava muito, dizia que eu era gorda, que não ficava bem com certos tipos de blusas, tanto que emagreci 20 quilos em menos de seis meses”, conta a referida pessoa, que também fez uma cirurgia para colocar prótese de silicone. Enfatizou: “Hoje me livrei desse relacionamento, mas ainda não consegui me livrar da paranóia de estar sempre impecável”.
            É aquela coisa: quando a busca por um corpo ideal se torna obsessiva e começa a afetar a saúde do indivíduo ela deixa de ser considerada apenas uma característica da vaidade para se enquadrar na classe psiquiátrica dos transtornos obsessivos compulsivos (TOC).
            Como diria um baiano, com sua gíria irresistível: “Te cuida, mermão!”.

                                                                LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                                                lincoln.consultoria@hotmail.com
                                                                 Advogado e Administrador de Empresas

               

domingo, 22 de setembro de 2013

Toca Raul!



            No último domingo valeu por um programa de rádio que fez um tributo a Raul Seixas e que me arrepiou, me transportou para uma época legal da vida, me fez querer dividir aquele momento com pessoas que são importantes pra mim.
            Passados 24 anos de sua morte (1989), ele continua sendo uma das principais referências musicais do rock nacional. O artista, que já era um ídolo para as gerações dos anos 70 e 80, virou um mito inclusive para parte daqueles que sequer haviam nascido quando o compositor levava platéias ao êxtase.
            O sucesso de Raul junto às novas gerações pode ser atribuído, em parte, a ausência “de um sentido de vida que vá além dos limites do troglodita capitalista que só quer consumir e se recusa a sentir e a pensar. Por isso, que uma boa parcela da juventude atual volta os seus olhos para os ídolos de um passado que produziu um sentido de vida”, pontifica o historiador Luiz Lima, autor de uma tese de dourado sobre Raul Seixas.
            A figura do Raul ainda gera controvérsia. Sua classificação varia de visionário, lunático, sonhador, esotérico, místico a revolucionário, gênio, profeta e incompreendido. Fato é que a “Sociedade Alternativa” defendida por ele desagradou a ditadura civil militar que o prendeu e o torturou. Com altivez: pôs o dedo na hipocrisia, sem dar espaço para embromation.
            A trajetória desse artista talentoso e anárquico é marcada por 21 LPs, contratos com as maiores gravadoras do Brasil. Com sua rebeldia, compôs músicas que se tornaram clássicos, como Maluco Beleza, Gita, O Trem das 7, Metamorfose Ambulante, Ouro de Tolo, Al Capone, entre tantas outras.
            Alguns estudiosos identificam Raul como anarquista na exata medida em que detona o bom-senso e o senso-comum, fundamentos da ideologia das classes médias burguesas. Pessoalmente, penso que sim, que seu visual, canto e ritual criavam um diferencial, um distanciamento, uma instabilidade que percorre como uma flecha aqueles que, para usar uma gíria dos tempos de Raulzito, não “trasam” bem essa idéia de poder.
            Sim, Raul é um trovador, como Bob Dylan nos Estados Unidos. Também transita na grande produção cordelista. É um dos personagens preferidos dessa obra cultural, só perde para Lampião. Folhetins engraçados, como “O Encontro de Raul Seixas com John Lennon no Céu”; “O Encontro de Raul Seixas com Zé Ramalho na Cidade de Thor”; “Cowboy Fora da Lei”.
            Enfim, quem já não presenciou numa festinha, show, baladas e bares do Brasil, no intervalo/pausa, ouvir-se um grito: “Toca Raul!”. É um bom exemplo da sua atemporalidade.


                                                                     LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                                                     lincoln.consultoria@hotmail.com
                                                                      Advogado e Administrador de Empresas

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

A doce Baby



            Depois de um dia estafante de trabalho, chego em casa estressado, exaurido, amarrotado, moído, descabelado e monossilábico, sem outro desejo senão ligar a TV e assistir os noticiários jornalísticos, como forma de esvaziar a cabeça. Isso antes. Agora, depois que ganhei de presente dum fraterno amigo a minha carinhosa Baby (poodle, hoje com dois anos), tornou-se diferente às minhas queixas da vida moderna. Traduzindo, assim, tão bem a máxima “Viver é arte do encontro”, sentenciada por Vinicius de Morais.
            Tenho certeza que Baby é um cão com alma humana. Tem sentidos apuradíssimos. Juntos, desenvolvemos uma profunda afeição um pelo outro, como também um sentimento de extrema confiança, conhecido exemplarmente como fidelidade canina. Nossa! Ainda teimam, segundo a teoria, que o parente mais próximo do homem é o chimpanzé. Não, mil vezes não! Na verdade o mais próximo é o cachorro.
            Eu me lembro do dia em que adentrei no apartamento de um hotel, como bebê ela se fosse, sem que ninguém apercebesse. Toda enrolada num lençol, com aquele cuidado especial tão bem ordenado pela minha consorte. Foi um deus-nos-acuda quando dirigimos à recepção para fazer o intolerável check-in. De repente ela mexeu uma das patas e seus olhos discretamente fitaram os meus, e eu pressenti que estava me chamando. Aproximando-a, no mais perfeito estilo “hollywoodiano”, coloquei a minha mão sutilmente sobre a sua cabeça, e silenciosa ali permaneceu, como entendesse o instante crucial que ora aprontávamos – misto de ousadia e esperteza.
            É certo que sou um chato patológico quando alguém usa de grosseria e falta de carinho para com os animais. Especialmente os cães, que não distinguem se seu dono é um mendigo ou um grande estadista. Eles são programados para servir e distribuir afeto. Pesquisas de comportamento mostram que, mais até do que amigos, esses bichos de estimação são atualmente vistos como filhos ou irmãos em boa parte dos lares que os acolhem. Além disso, é antídoto para o ser urbano que enfrenta crise de referências, notadamente os que são escravo da vaidade e da futilidade.
            Não sabia?! Já estão treinando e educando os cachorros para o futuro. Ou seja: estão ensinando cachorro a ir à restaurante, a supermercado, a cinema. Logo, logo, cachorro estará viajando de avião. Preferência na primeira classe. Pensando bem, até que não é uma má ideia. Eles merecem!
            Tem mais: reconheço em Baby, com perdão da transgressão, uma alma compreensiva, sempre disposta a oferecer o ombro amigo e ajudar alguém nos momentos difíceis. Pela sua meiguice e inteligência sinto que há no seu íntimo um grande desejo: nascer humano em sua próxima encarnação.


                                                               LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                                                lincoln.consultoria@hotmail.com
                                                            Advogado e Mestre em Administração

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

A crise da Petrobrás



       Quando analiso a situação financeira da Petrobrás, me cai a ficha de que a coisa está pior do que eu imaginava. É sério. Com agravante: não vemos nenhum economista salsichão na mídia falando sobre essa crise que afeta um dos grandes patrimônios e orgulho do povo brasileiro.
            Quem não se lembra, há sete anos atrás, o nosso então presidente Lula afirmando que o nosso País alcançara a autossuficiência na produção de petróleo. A verdade é que a Petrobrás tem produzido cada vez menos, mesmo encontrando cada vez mais jazidas. Só em 2012, o Brasil importou R$ 15 bilhões em derivados em petróleo. Isso representa, nesses mesmos sete anos, um déficit superior a R$ 57 bilhões na balança comercial do petróleo e seus derivados.
            Tem mais: a Petrobrás em vez de encomendar as suas plataformas junto à SINAVAL – Sindicato Naval, como prometeu o trepidante Lula, preferiu locar plataformas com as empresas estrangeiras. Só em 2011, gastou R$ 4 bilhões, e em 2012, R$ 6 bilhões em locações.
            Vamos prosear mais um causo. Em 2006, uma empresa belga comprou uma falida refinaria no Texas (EUA), por US$ 42 milhões. Pouco meses depois, essa empresa vendeu a tal refinaria por US$ 1,2 bilhão para a nossa querida Petrobrás. Passado, pouco tempo, acreditem, a Petrobrás verificou que tinha feito um mau negócio e resolveu vender a citada refinaria. Mandou avaliar. O valor aferido foi menos de US$ 100 milhões.
            Aos trancos e barrancos, para construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, em parceria com o velho “estadista” Chávez, que não vingou, foi projetada a um custo de R$ 5 bilhões. O último relatório da Petrobrás aponta um custo até hoje de R$ 35 bilhões.
            Na lógica dessa pedagogia da leniência e da irresponsabilidade, o meu amigo Cordeiro, habitualmente mencionado aqui, dá o seu testemunho de desequilíbrio dessa companhia, quando retirou o seu dinheiro do FGTS (50%), igual a milhares de pequenos investidores, e aplicou nas ações da Petrobrás. Resultado: perdeu 50% do seu suado patrimônio.
            No mundo corporativo, a situação surreal da Petrobrás é ou não é de perplexidade. Mormente pela ética fingida, exibida apenas como fechada, na qual se preza o que não se pratica. Vixe... Por que eu fui falar?
            De fato, a bagunça da gestão da Petrobrás não pode pautar nossas consciências nem subverte a verdade. É meio clichê o que vou dizer: aqui está um bom exemplo de que vivemos no “capitalismo caipira”, que ainda aposta no compadrio, amizades e troca de favores – e não valoriza a meritocracia e o talento.


                                                                     LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                                                      lincoln.consultoria@hotmail.com
                                                                       Advogado e Administrador de Empresas

                                                                    

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Histórias da Bossa Nova



Boa parte dos que me leem neste espaço já sabe que sou um apaixonado pela Bossa Nova. Cuja característica marcante de suas músicas era tocar e cantar baixinho em tom quase falado. Tornou-se para mim uma espécie ave rara e fascinante.
            A época áurea da Bossa Nova foi bem no início da década de 60. Pois cantar em seu gênero rendia fama e prestígio. Foi um período muito fértil, onde suas estrelas - como Vinicius de Morais, Tom Jobim, Ronaldo Bôscoli, João Gilberto, Roberto Menescal, Carlos Lira e tantos outros - compunham com uma felicidade pra caramba. Livre e sem amarras.
            As suas canções falam sobre tudo aquilo que seus fãs gostariam de ouvir: o amor, a praia, o mar e tudo isso ficou registrado nos versos de suas belíssimas melodias. A paixão pelas suas músicas, através de textos inovadores e simples, lhes tornou avesso aos critérios ideológicos, mesmo que a opinião da crítica fosse diferente das suas.
            Muita gente diz que a Bossa Nova não teve influência do jazz, mas, segundo Roberto Menescal, teve sim. E mais do que isso, era a maior influência de estilo da sua turma: o copo de uísque em sua mão, o cigarro na outra, a gravata meio frouxa. Fazendo tudo o que der na telha para nosso deleito, admiração e inveja.
            Ele confessa ainda que, em 1960, essa melodia inovadora começou a sair do Brasil e influenciar o jazz, tanto que quando chegaram aos Estados Unidos pela primeira vez, em 1962, todos os músicos bons de jazz tocavam - ou tentavam tocar – Bossa Nova. E de repente, os idealizadores desse movimento musical estavam lá, vendo toda essa turma, de quem eram grandes fãs, gravando as suas canções. Incrível, não?
            Outro dia, bem de manhãzinha, cruzei aqui na praia de Tambaú com um boêmio das antigas cantarolando “O barquinho vai / E a tardinha cai...  Dia de luz, festa de sol”. Aí sentei e matutei um tempão. Parecia o “Pensador de Rondin”. Senti que ele tinha algo a dizer. Eu tinha algo a ouvir. Mesmo distanciando não deixei de lhe olhar, lhe olhar e lhe olhar.
Fiquei, sim, emocionado. Foi nesse momento que a ficha caiu para renovar a minha prazerosa sensação mental por um estilo que até hoje é cultuado e influencia artistas da música. Fenômeno “hors-concours” por ser muito peculiar, pela simplicidade e pelo carisma de sua sonoridade.
            Pensemos: quem diria que aquela música feita sem a mínima pretensão e sem achar que seria algo duradouro, saísse definitivamente da timidez do apartamento da Nara para ganhar o mundo.

                                                                 LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                                                  lincoln.consultoria@hotmail.com
                                                                   Advogado e Mestre em Administração