segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Manifestações lúdicas

            A minha infância lá em Cajazeiras era parecida com a dos outros meninos do meu tope. Pois adorava empinar pipa, jogar futebol de botão, rodar pião, jogar bolinha de gude e brincar na rua. Uma particularidade: achava bacana, às vezes, de fabricar os meus próprios brinquedos. Naquela época, já admitia que a vida é inventada!
            Li, outro dia, numa revista que brincar é algo espiritual.  Ademais, é uma forma de exercitar a mente, mexer com o corpo, fazer amigos e desenvolver a imaginação. Essa história de que as brincadeiras tradicionais estão dando espaço para videogames e computadores, não é inteiramente real. Basta percorrer o interior e a periferia das grandes cidades que vamos encontrar as crianças criando e recriando as brincadeiras de seus pais, avôs e bisavôs, ignorando as facilidades e seduções dos tempos modernos.
            Até hoje, dá aquela coceira para brincar quando presencio alguma dessas manifestações lúdicas. A vontade que tenho é de pegar a máquina do tempo, ir de volta para minha infância, e ficar por lá mesmo. Não é à toa que “somos o que amamos” – expressão que está incluída na fraseologia de Santo Agostinho.
            Foi durante um filme (tipo documentário), cujo nome não guardei, só guardei a cena incomum. Uma criança humilde, do sertão do Ceará, puxando um pequeno pedaço de osso de boi, como se fosse ali o seu brinquedo preferido diante de tantos outros. Tornando um mero objeto em organismo vivo. Nossa! Fiquei com os olhos marejados e fiz força para não chorar.
            Muito se tem criticado a lógica burra do modernismo. E quando se trata de brinquedos, nem se fala!  Na ponta de tal espectro, centrada nos jogos eletrônicos, a criança está submetida a cumprir as regras do jogo. Com agravante: não há interação com outros meninos, e tampouco há espaço para a imaginação.
            Nesse dedinho de prosa, lembro agora com nostalgia, e me lembrarei sempre, o futebol de botão, um dos esportes populares, ao lado do cuspe à distância e da porrinha. E a história interessante de um garoto da vizinhança que surrupiou um botão do paletó do avô durante o velório, justificando: “Aquele botão é o Gerson. Não vou deixar que enterrem o Canhotinho”.
            Nós nascemos sem pedir e morremos sem querer. Por isso, a criança tem que aproveitar esse intervalo da vida, com brincadeiras criativas e sadias, venha de onde vier, surja de onde surgir. Uma vez que brincar é o maior exercício de liberdade que a gente pode ter.


                                               LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                               lincoln.consultoria@hotmail.com
                                                Advogado e Administrador de Empresas

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

O fim da bossa nova

            No início da década de 60, quem não se deliciava com a cachaça da bossa nova? Podia ser a qualquer hora, de dia, de noite, de madrugada. Isso não é opinião, isso é um fato: tal som harmonioso foi a maior revolução da música popular brasileira do século 20.
            Não há dúvida que a estrela reluzente da bossa nova era o violonista e cantor João Gilberto, o irritadiço purista com vocal monótono e hesitante, e com as suaves batidas de seu violão, levava seguidores e plateias ao delírio. 
            A geração da bossa nova era diferente, transpirava “carioquice”, o próprio Vinicius de Morais nunca abriu mão de viver na boemia, entre intelectuais, artistas e vagabundos. Hoje, comparando, há uma espécie de pasteurização da vida popular.  Ou melhor: uma espécie de melodrama (má qualidade). As pessoas estão cada vez mais intolerantes e se desgastam “valorizando os defeitos dos outros”.
            Se eu acreditasse nessas coisas meio esotéricas, diria que o mundo conspirou contra a bossa nova. Composições aparentemente despretensiosas, acordes intricados, harmonias lindas, melodias fantásticas como, por exemplo, “Chega de Saudade”, “Garota de Ipanema”, “Manhã de Carnaval”, “Desafinado”, “Dindi”, “Minha Namorada”, “O Barquinho”, e tantas outras.
            Sem nenhum vestígio de humor, ou de ironia, a verdade inapelável é que a bossa nova morreu, chega ao fim. Pois há um desinteresse compreensível por um tipo de música que não se renova. A bossa nova ficou prisioneira da praia, do sol, da saudade e do Rio, segundo confissões do articulista Jota Pinto Fernandes.
            Das profundezas de mim - como diria um amigo do colegial - assevero que João Gilberto, o inventor do gênero, sabe disso, mas não contou para ninguém. Tamanha irascibilidade, combina perfeitamente com a sua figura mal educada e desamável. Acho até que ele foi tomado pela soberba de imaginar que esse (ou seu) estilo musical jamais fosse acabar.
Ousaria ainda dizer que ele finge ignorância. Por isso, que os shows marcados para comemorar os seus 80 anos foram adiados de novembro para dezembro (passado). E não foi porque estava gripado, nem tampouco, pelo preço alto dos ingressos, simplesmente porque não houve interesse do público.
Pus-me a refletir: a bossa nova morreu, através de um processo agonizante da eutanásia, onde o ícone desse movimento não deixa herdeiros, infelizmente.


                                        LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                        lincoln.consultoria@hotmail.com
                                                       Advogado e Administrador de Empresas



segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Homenagem merecida

       Até bem pouco tempo atrás, o Rio de Janeiro vivia o grande drama de uma sociedade desequilibrada e desigual, em que a linguagem da civilidade se esgotava diante da ascensão da violência. Graças à gestão do secretário José Mariano Beltrame essa situação começou a mudar. Depois de mais 40 anos nas mãos de traficantes e milicianos, as favelas cariocas, enfim, estão se libertando dos criminosos por meio do projeto Unidade de Polícia Pacificadora (UPP).
            Isto mesmo! Sob seu comando, 19 complexos das favelas do Rio já foram pacificados e voltaram a contar com a proteção do Estado. Interessante: não vi, até hoje, nenhuma expressão sua de onipotência e de autoritarismo. Associado ao caráter salvacionista messiânico de liderança.
            Vejo que nessa guerra do vale-tudo ou do faz-de-conta, a luta intestina dentro dos órgãos de segurança, a corrupção, a convivência com o crime e o despreparo profissionais têm de ser superado não só com a chegada de recursos necessários, mas com uma drástica mudança de mentalidade, apoiado num projeto de cidadania.
            Uma frase que me vem à cabeça (provérbio chinês) é que “atrás de um homem competente, há sempre outros homens competentes”. Pois bem, a história e a vida mostram a todo o momento que o modelo individualista está falido. Competência, planejamento, determinação, espírito de equipe e amor pelo que faz são qualidades essenciais que levaram Beltrame a ter o sucesso que tem na sua gestão.
            Considero-o um profissional com muito aprumo e tenacidade, que possui pensamento transgressor, livre, fora das “igrejinhas intelectuais” que se arvoram como os arautos de modernidade da segurança. Como diz no jargão futebolístico, joga com a cabeça.
            É, permitam-me dizer, quem contraria essa bandeira, está contaminado por vieses e caprichos do sistema. “Ele é um cara gente boa!” - sussurra, um dos seus colaboradores. Conceito este que está ligado à capacidade que as pessoas têm de encantar, de ser atenciosas ou simpáticas e de influenciar os outros a ter atitudes positivas. Com o queixo ereto e o olho seguro de suas convicções ideológicas, afirma: “Mexer com a esperança das pessoas, como estamos fazendo, é uma responsabilidade enorme”.
            Isto já era esperado. Nada mais justo (justíssimo!) a revista ISTOÉ homenagear o secretário Beltrame com o prêmio Brasileiro do Ano – Cidadania.


                                                  LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                                   lincoln.consultoria@hotmail.com
                                                   Advogado e Administrador de Empresas

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Escondendo a joia

       É bandeira demais ficar passeando por aí, se exibindo com relógio de marca ou com alguma joia reluzente. É um verdadeiro chamariz para qualquer assaltante, no mínimo, principiante no ofício. Assim, não cultive rancor. Se não quiser mais passar por esse dissabor, faça como uma senhora endinheirada, após ser assaltada: “Neste país, você não pode ostentar. A minha extravagância é um relógio Bvlgari que só vou usar no exterior. Minhas amigas joalheiras vão ficar tristes, mas joia deixou ser investimento. Virou risco de vida”.
            Foi impossível não ficar indignado e boquiaberto a maneira como fui assaltado na praia de Iracema, Fortaleza, em plena luz do dia e sob olhar incrédulo de várias pessoas. Relato já registrado aqui num dos meus artigos. Repeti-lo é uma miscelânea, insossa, aos interessados leitores que desejam fugir do óbvio, da banalidade da vida cotidiana, do tédio, de resistir ao fetiche dos números de ocorrência (BO) divulgados pelas autoridades de segurança.
            Diante dessa situação, só há duas opções: “Se resignar ou se indignar”. E eu não vou me resignar nunca, como diria o extraordinário Darcy Ribeiro. Dado o clima vigente, parece um operador maluco de videogame que mira aquela vítima que quer atacar e pá-pá-pá: mete assalto.
            Suscitando ironia de uma cética, diz uma empresária, com um sorriso maroto e prazer masoquista em reprisar a ferida: “Graças a Deus, escapei do assalto. Agora, vou colocar à venda todas as minhas joias. Vou ficar só na biju (bijuteria)”. Afora uma série de torrentes palavrões, dito por ela, com intensidade suficiente para abalar qualquer reduto de doutrina religiosa.
            Outro dia me deparei com um turista punk tatuado, de cabelo groselho, brincos gigantes, daqueles que deformam as orelhas, e com vários piercings no nariz e nas sobrancelhas, surpreso por ter sido atacado: “Cara, como pode, acabei de ser assaltado!”. Curiosidade minha, até hoje, não sei que danado o levaram.
            Posso parecer um pouco velho, mas sou de uma época que poderia jactar-se de usar joias à vontade, sem nenhum medo de passar pela terrível experiência abrupta do assalto à mão armada e as suas consequências: agressões físicas e depressões psicológicas.  E que, para muitos, era a melhor forma particular de embromar a realidade, como levasse um “vidão”.
            Colocando a coisa de modo brusco: a mim, a você e a toda sociedade caberá não mais cobrar providências policiais (tarefa inglória!), mas sim, cobrar essa tão esperada igualdade social, só visto, até então, em discurso de cabra-cega.

                                                         LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                                          lincoln.consultoria@hotmail.com
                                                           Advogado e Administrador de Empresas