sábado, 24 de fevereiro de 2024

A miss eterna

 

           Sou de um tempo em que o tradicional concurso de Miss Brasil chamava à atenção de todos, ainda hoje realizado anualmente sem o mesmo brilho, e que visa eleger uma representante da beleza feminina de cada unidade federativa do país. Em seguida, a vencedora vai disputar a edição de Miss Mundo.

            Destacando-se, nesse certame, Marta Rocha (1932-2020), a miss eterna de espetacular beleza e imensa sintonia com os fãs, a quem encheu de alegria e orgulho quando tudo no Brasil dava errado.

            Imagine um país em momento de alta turbulência política, com o moral machucado por derrotas futebolísticas e em posição subalterna diante dos Estados Unidos, a grande potência ocidental. Assim era o Brasil em 1954, quando a baiana Marta Rocha, declarados 18 aninhos, despontou na passarela com sua beleza esplendorosa e sorriso contagiante, e dali alçou voo, levando nas asas a chance de lustrar a autoestima nacional.

            Eu sei! Quase deu certo. A morena de 1,70 metro, cabelos claros e impactantes olhos azuis, vencedora incontestável do primeiro concurso de Miss Brasil em décadas, recebeu a faixa de segundo lugar no Miss Universo – realizado em Long Beach, na Califórnia, e vencido por uma americana sem graça, Miriam Stevenson.

            É curioso, para dizer o mínimo, uma história inventada no calor da coroa perdida, a de que Martha só não ganhou porque tinha 2 polegadas (5 centímetros) a mais no quadril do que as regras permitam, o que salvou a honra brasileira. Ela foi abraçada na volta por uma população encantada com sua musa e assim passou a vida, sempre miss, sempre linda, até adoecer, se recolher e, finalmente, falecer.

            Faço um adendo: na noite da quase vitória de Martha Rocha, em Long Beach, 24 de julho de 1954, a seleção brasileira tinha sido recém-desclassificada, nas quartas de final, da Copa do Mundo da Suíça – isso com a nação de chuteiras ainda sentindo com a derrota para o Uruguaia na final de quatro anos antes, em pleno Maracanã.

            E como não bastasse, a política atravessava ondas de choque, diante da enxurrada de denúncias cada vez mais graves, e em tom cada vez mais desafiador, que encostava na parede o presidente Getúlio Vargas. Vindo a se suicidar exatamente um mês depois, no Palácio do Catete, no Rio.

            Mas olha só, com tanta coisa ruim em volta, Martha Rocha era o respiro popular, perfumado por sua aura de deslumbre e carisma.

            Depois de cultivar durante décadas a balela das 2 polegadas, inventada por um jornalista para pacificar os leitores, ela mesma desmentiu a história em sua autobiografia: “Nos Estados Unidos, ninguém me tirou as medidas”. Nem fazia mesmo o menor sentido: a vencedora tinha exatamente os mesmos 96 centímetros de quadril.

            Mesmo sendo unanimidade nacional, com direito a marchinhas de Carnaval, torta, bichos em zoológicos e modelos de carro com seu nome, Martha teve uma vida de altos e baixos, mas sempre, sempre sem perder a majestade.

 

                                              LINCOLN CARTAXO DE LIRA

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