segunda-feira, 25 de maio de 2015

Leis para tudo

            Eu já sabia, até com a minha psicanálise de botequim, que a velha tendência nacional de usar leis para dar a impressão de que o problema está resolvido, é um ledo engano. Criam-se leis para tudo.
            Nessa linha, será que precisamos da lei para mudar a sociedade? Ou temos que mudar a nós mesmos? Ora, se não formos mais educados, mais conscientes, não há lei que resolva o problema.
            Temos um bom exemplo dessa situação: como havia no Brasil muita falsificação de assinatura, criou-se a tal firma reconhecida. Os donos de cartórios enriqueceram. Conta-se que um empresário chinês não entendeu a exigência da firma reconhecida. Curioso, perguntou: “Se está assinado, não basta?”.
            Por ironia, depois a firma reconhecida por si só deixou de funcionar, porque também passou a ser falsificada. Agora, para algumas transações, exige-se a presença da pessoa no cartório para assinar. Enfim, para que esse treco serve?
            Outro exemplo, bem atual, é a questão da redução da maioridade penal, através de uma imposição legal, como isso viesse solucionar a violência em nosso País, uma realidade inexoravelmente posta.
            Na minha cachola, com avanço da idade (eu já com 60 anos), ter ilusão torna-se pecado imperdoável, pois não há mais o atenuante da juventude. Portanto, imaginar que reduzir a idade penal vai resolver a crise da violência, fica no terreno da insanidade. Há muita gente impaciente com isso, vociferando paladino de causas justas e difíceis. Perdoem-me, só uma palavra descreve essa atitude: hipocrisia.
            Aliás, pouco se pensa no custo do preso para o Estado. Levantamentos indicam que quase 580 mil presos que ocupam os presídios, ao custo médio mensal de R$ 2.500,00 por preso, consumimos todos os meses mais de R$ 1,4 bilhão. É um gasto excessivo que pouco colabora para “recuperar” essas pessoas, em face de deterioração dos ambientes carcerários, onde se cultua a multiplicação das violações, das ilegalidades e dos abusos.
            Em visão míope, prendemos mal e antecipamos a punição como prática corriqueira de Justiça. E, pior, fazemos ao sabor de um instrumento que sempre foi tido como exceção. Desde a abertura democrática do País, nunca se prendeu tanto.
            Como se vê, quem não tem o que propor logo propõe criar novas regras e fazer novas leis, um debate vazio. Regras e leis são sempre burladas, quando não temos capacidade de definir nem mesmo meia dúzia de objetivos comuns que constituam um consenso básico em torno de si.

                                                           LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                                                                      lincoln.consultoria@hotmail.com
                                                                                     Advogado e mestre em Administração

               

segunda-feira, 18 de maio de 2015

A inadimplência dos brasileiros

            Vamos lá, leitor, exercitar um pouquinho essa situação. O indicador de dívidas em atraso apresentou, em abril, um aumento de 2,83 em relação a março. De acordo com o banco de dados do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), foi o maior crescimento para o mês desde o começo da série história, em 2010. Na comparação com abril do ano passado, houve alta de 5,02%, o que mostra uma aceleração, já que em março a alta havia sido de 3,46% em relação ao mesmo mês de 2014.
            Tá ruço! Com este resultado, já são 55,3 milhões de devedores, números equivalente a 37,9% da população entre 18 e 95 anos. Logo, quatro em cada dez brasileiros estão com os seus compromissos em atraso. Analistas muitos severos travejam: “Eu bem que avisei”.
            Sem floreios ou academicismos, estamos em voo cego. A recessão está avançando no Brasil e deixando os trabalhadores cada vez mais pobres. Os efeitos da crise já podem ser sentidos. Basta ver os índices da inadimplência. Segundo o presidente da CNDL, Honório Pinheiro, esse quadro deve-se a falta de planejamento do brasileiro, também é reflexo do cenário macroeconômico, com desaceleração do PIB e aumento do desemprego.
            Percebe-se que o conselho “Compre mais e vote em mim”, dito por Lula, durante anos, ao povo brasileiro, não deu certo. A promessa de um ciclo longo de desenvolvimento centrado na expansão do mercado interno degenerou em uma bolha de consumo. Mesmo assim, o brasileiro continua ralando para pagar as contas, mas não perde o bom humor: “É pau, é pedra, é o fim de um caminho”.
            Esse é o retrato atual. O brasileiro sente no bolso o País parar e assiste a sucessivos escândalos. Pior, descobre a cada dia que uma turma em Brasília ganha a vida facilmente negociando e roubando o seu dinheiro, como contribuinte. O cenário político e econômico está sombrio. O céu está cinza e é difícil ver a luz do sol. Não há indícios de que o tempo vai virar. Pelo contrário. Os sinais apontam que virá um temporal, com consequências imprevisíveis.
            Cá entre nós, que vontade de tomar Doril! Não tenho estômago para tudo isso. Digam-me se não há motivo: Uma presidente que toma posse e não começa, que já nos primeiros meses se desmoraliza e se arrasta de derrota em derrota, sem nada propor ao País. Até onde vamos chegar? A resposta honesta séria, no mínimo, “é, pisamos na bola”.
            É aquela coisa: se não reagirmos, poderemos nos tornar um Estado falido, uma nação inviável e uma população que se encontra em situação crítica de insolvência.


                                                                        LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                                                              lincoln.consultoria@hotmail.com
                                                                                                       Advogado e mestre em Administração
               

                

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Ousadia da Fiat

       Recentemente a Fiat Chrysler Automobiles inaugurou na cidade de Goiana o complexo Polo Automotivo Jeep. O investimento foi na ordem de R$ 7 bilhões, dos quais 3 bilhões foram aplicados na fábrica Jeep, R$ 2 bilhões no parque de fornecedores e o restante destinado a desenvolvimento de outros produtos.
            A perspectiva é de que, até meado de 2016, a montadora pretende chegar à marca de 250 mil veículos produzidos ao ano. A FCA aponta ainda para o registro de 9 mil trabalhadores até o fim do ano, sendo 3,3 mil na fábrica, 4,9 mil no parque de fornecedores e 850 em serviços gerais.
            Não deixa de ser um acontecimento auspicioso. Principalmente quando esse empreendimento é instalado na região do Nordeste, tão carente de investimentos - resultado de doses de negligência, de incompetência e de desonestidade de seus gestores. É um quadro nitidamente psicótico, onde tudo é mentira, fingimento e pose.
            Por outro lado, não deixa de ser uma grande ousadia dessa organização investidora (FCA), no momento em que o Brasil vai mal das finanças, que o desemprego vai aumentar, a inflação seguirá em alta e o País vai desacelerar ainda mais. E não há aí nenhum exagero.
            Como não bastasse, o fenômeno de carros “zero km” - não só aqui, como também pelo mundo afora - é de que a sua produção está ficando encalhada. Ou seja: os pátios cheios de carro que as montadoras não conseguem vender.
            A verdade é que cada vez mais as pessoas não estão comprando carros no mesmo ritmo de antes da recessão.  O ciclo de comprar, usar, mudar, se acabou. As pessoas usam seus carros durante muito mais tempo depois de comprados.
Dito isto, emerge a questão: Quantas famílias que você conhece que ostentam um carro novo a cada ano?  A resposta certamente seria: Poucas, muito poucas. Outra consequência é encontrar espaço para acomodar esses carros para a nova produção. Espaços abertos ao redor do mundo se converteram em cemitérios improvisados para os carros que não conseguiram atrair compradores.
            A indústria automobilística, por sua vez, não pode simplesmente deixar de produzir carros novos. Isso significaria o fechamento de fábricas e demitir dezenas de milhares de pessoas, piorando assim a recessão. Sem falar do efeito dominó que seria catastrófico para a indústria do aço.
            Apesar desses imbróglios, tenho certeza que a capacidade do empreendedorismo da FCA é que levou a decisão de se instalar no Nordeste, cuja lição é que não se chega à outra margem do Rio sem respingos. Sempre existe o risco de afogamento. O difícil é tomar a decisão, mas quando ela é tomada, e nunca é fácil, não há força que segure a mudança e o crescimento.
            Aliás, já passou da hora deste País acordar e ficar atento aos “oportunistas de plantão”. Boa sorte ao pessoal da Fiat – FCA.
           
           
           
                                                                        LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                                                         lincoln.consultoria@hotmail.com

                                                                                                      Advogado e mestre em Administração

domingo, 3 de maio de 2015

O grande encontro

            Belisque-me para ver se não estou sonhando! Foi assim que me senti quando escutei o CD presenteado por um amigo lusitano, no qual registrava o encontro de Vinicius de Morais e Amália Rodrigues, ocorrido em 19 de dezembro de 1978, na casa (em Lisboa) dessa magistral cantora portuguesa.
            Numa “concertación” impecável, sufocada pela efervescência intelectual e musical, foi a marca desse grande encontro, que mostra aquele Vinicius detentor de uma inteligência privilegiada, de uma verve inesgotável, personalidade de “bom vivant” e de altíssimo astral, e a encantadora Amália, de voz cristalina, pessoalidade marcante, onde eleva o Fado (que a tornou famosa) à mais alta categoria artística.
            Chuvas de palmas! Trovoadas de palmas! Quando o nosso poeta - acompanhado por excelentes instrumentistas da constelação da música popular portuguesa que já lhe aguardavam festivamente - começou a cantar “Para quê chorar”. Em seguida declamou o poema “Monólogo de Orfeu” e depois “O dia da criação”. Naquela interativa conversa amorosa e fraterna, a pedido do próprio Vinicius, brilhantemente Amália canta “Gaivota” e outras canções memoráveis.
            Como Vinicius sentenciou: “Viver é a arte do encontro”. Dádiva dos deuses! Dádiva dos céus! É exagero? Não, quando se trata de dois monstros consagrados do mundo da música e da poesia. Com graça, com arte, com humor desconcertante eles foram cantando e recitando em voz alta, cada um ao seu estilo. Momentos de saudade: parafraseando Calderón de La Barca, a dizer que “A vida não só sonhos, são saudades também”.
            Nesse bate-papo descontraído, o poetinha ria e fazia rir das dificuldades cotidianas dos portugueses, notadamente no que se refere ao formalizo, e pede para que “desengravatem!”. Ao mesmo tempo, enaltece-os: “... povo com tremendo anseio de viver, de aparecer, de reaparecer na história. Um povo que deu um poeta como Luís Camões, que todo cancioneiro português antigo o conhece tão bem e do qual eu me embebi, que sofri uma grande influência”.
            Detalhe: fez-me comover quando ele disse que era um homem meio sem pátria e que sua pátria era a humanidade, e completa, despedindo-se dessa trupe musical: “Vivam! Amem, amem-se! Rompam as tradições! Rompam os preconceitos! E aí eu tenho a impressão que cada um vai se tornar mais feliz”.
            Esse jeito de gente boa e de filósofo malandro, com esteio na boemia criativa dos anos 60, fez com que a carreira diplomática fosse incompatível. Porém, em compensação, sua obra deixou marca nas cabeças de sua geração e das gerações vindouras. Virando símbolo, o máximo de excelência.


                                                             LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                                            lincoln.consultoria@hotmail.com

                                                               Advogado e mestre em Administração