quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Empinar pipa

Como qualquer boa propaganda de máquina fotográfica: recordar é viver! Por isso, mais uma vez, volto à minha infância, tempos em que empinar pipa era um verdadeiro barato.

            Essa reminiscência foi novamente marcante quando li o livro “Caçador de Pipas”, best seller do escritor Khaled Rosseini, cujo personagem central, Amir, é um garoto problemático que cresceu no Afeganistão, onde venceu o famoso campeonato de pipas.

            Se bem me lembro, nessa época de moleque, lá em Cajazeiras, traquinar com pipa era um lampejo de felicidade. O êxtase dessa brincadeira era fazê-la subir vertiginosamente, parar no ar com aquela peculiar exuberância, ao sabor do vento, para só aí dar linha, fazendo com que ela descesse num perfeito voo rasante, quase batendo no chão, e voltasse a subir. Nossa! Mais divertido, impossível.

            Melhor ainda: no meio do bate-papo inocente, passávamos horas a fio aparando palha de coco na produção da haste central e as outras duas que se cruzavam na armação da cobiçada pipa – estilo peixinho. Em seguida, revestíamos com papel de seda ou celofane colado por uma gororoba feita de goma com água, presa a um rabo de retalho de tecidos, difícil e chato de fazer.

            Ah, quanto à linha, não tínhamos problema. Usava-se linha de pesca, de pedreiro ou de costura que sorrateiramente roubávamos da máquina de costura de nossas mães.

            Todo “pipeiro” que se preza tem que ter noção do local ideal para a prática desse entretenimento. O vento forte e constante são os ingredientes indispensáveis para que se torne como um pássaro de papel batendo as asas, como disse certo aficionado. Tinha mais: chamava-se de “mané” quem não agisse assim.

            Depois de certa idade acho que todos podem tirar suas fantasias do armário, e quiçá voltar a ser de novo criança. E eu assim me decidi, quando comprei direto ao camelô, num desses cruzamentos de rua da cidade, uma pipa moderna, bem colorida, toda feita de plástico, nylon ou outro material sintético. Desmontável, linha tipo cordonê e, por cima, com direito a uma embalagem especial para acomodá-la.

            Desencadeou em mim um turbilhão de emoções quando botei a sofisticada pipa para fazer subir aos ares na praia de Lucena. Mostrando-se livre, leve e solta... cintilante e tranquila. Fiquei ali boquiaberto, arrepiado e comovido. Sai correndo, com o vento batendo no rosto e um sorriso tão grande quanto de uma criança. Era como se todas as rajadas de vento soprassem a meu favor. Prova viva que a nostalgia estava no ar. Um autêntico “elevador emocional” que ultrapassava o mais alto dos andares.

Sim. Foram momentos de saudades: parafraseando Calderón de La Barca, a dizer que “A vida é sonho”.  Eu complementaria: é saudade também. E com os olhos fixos no céu, agradeci a Deus por esse instante mágico.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

Brincar é o melhor remédio

Brincar é o melhor remédio

         Quando criança, “a gente era obrigado a ser feliz” – usando a fraseologia musical do sábio Chico Buarque. Verdade à beça: pois o mundo ao nosso redor nos proporcionava essa necessidade, baseada na magia da inocência e da felicidade.

            Sobre isso, vi nas redes sociais uma foto emblemática de duas crianças tirando uma selfie com uma sandália como se fosse um celular. Destacando-se que a inocência, a pobreza e o sofrimento fazem com que a referida foto seja a melhor selfie do mundo. Simples assim.

            Tive uma infância típica de cidade do interior (Cajazeiras). Jogava bola quase todos os dias, empinava pipa, de virar-se contra a parede no esconde-esconde, de pular corda, de jogar peteca, de iô iô, de bola de gude e entre outras. Diferente dos dias atuais em que as crianças já nascem conectadas, sabem mexer em computador, tablets e smartphones, sem acesso as brincadeiras do passado que proporcionavam, além da alegria e entretenimento, a atividade física para o desenvolvimento motor, equilíbrio, destreza e agilidade da criança.

            Agora vejo a importância dessas brincadeiras na minha infância, quando leio o relatório conclusivo da Academia Americana de Pediatria, referência internacional na sua área, em que orienta formalmente seus profissionais a receitar brincadeiras diárias a todos as crianças. Moral da história: brincar é o melhor remédio.

            As práticas indicadas no citado relatório, ressalvem-se, passam longe dos dispositivos eletrônicos. São as chamadas “brincadeiras livres”, nas quais meninas e meninos se envolvem espontânea e ativamente. Uma vez que o propósito é estimular o desenvolvimento mental e social das crianças.

O grande problema é que as crianças estão brincando cada vez menos. Os aparelhos on-line não estão proibidos, o problema é o exagero. A escassez de brincadeira é ancorada em estatísticas. Pesquisas realizadas nas últimas décadas revelam que o tempo livre das crianças diminuiu 25%. Apenas 50% delas saem para brincar ou passear.

Não é por acaso se diz que nós não paramos de brincar porque envelhecemos, mas envelhecemos porque paramos de brincar.

 

 

                                      LINCOLN CARTAXO DE LIRA

                                    Advogado, administrador e escritor