Ia caminhando devagar pelo calçadão
da praia de Manaíra. Era Sábado, por volta de sete horas da manhã. Detalhe: a
manhã era perfeita entre as mais perfeitas, quando de repente, não mais que de
repente, dei de cara com um velho amigo, que não o via há quase dez anos.
Decerto, sorrimos e nos abraçamos. Em
pleno estado de graça ele gritou com alma, como se saudasse o nascimento de um
mundo novo:
-Que maravilha, encontrá-lo depois de tanto tempo!
Cá com os meus botões, jamais poderia
esquecer-se dessa figura mais derramada da vida: em estado de quase sobriedade,
me falava do sucesso alcançado na sua profissão; quando bebia um pouco mais me
falava de suas peripécias amorosas – bravateando, é claro!
Conversa vai, conversa vem sobre
amenidades, e nessa interatividade nostálgica cheguei então a fazer a seguinte
pergunta:
-É verdade que o amigo teve
problemas com a bebida?
Silêncio. Ele franziu a testa como
quem chupou limão azedo, abriu os olhos míopes, sem entender. Quando entendeu,
virou-se devagar e bradou:
-Não. Eu e ela nos damos muito bem.
O problema é minha esposa.
Endiabrado, seus olhos se
arregalaram, sua respiração ficou ofegante, gaguejou um pouco como se tivesse
visto um bicho de marte. E revelou:
-Pasme! Recentemente, um cabo da
polícia militar, lá da minha cidade, alertou-me que minha consorte teria
comprado um revólver e estava, por sua vez, praticando tiro ao alvo. Tudo isso
por causa de seu ciúme doentio. Dá para acreditar?
Que ultraje! O homem estava conspicuamente
transtornado. Em estado fóbico, olhou para cima com intenção de ver se tinha alguma câmara (estilo BBB) bisbilhotando,
observando, vigiando... Era como se tivesse também entrado em parafuso por
causa desse terrível mal chamado irreverentemente de “camerafobia”.
Nossa! Seus olhos ficaram
brilhantes, úmidos, mas a lágrima não se formou. Por um instante achei que
estava doido, doido de pedra. Parada no tempo, pelas miudezas do cotidiano que
tanto nos afligem.
No meu fraco raciocínio, interpretei
isso como caso de teatralidade ou uma ilusão envolvida pelo ralo de uma difusa
verdade. Forçado por uma risada ruidosa, contrapondo sua expressão desgostosa,
assim me despedi:
-Sinal dos tempos, meu amigo. Sinal
dos tempos...
LINCOLN
CARTAXO DE LIRA
Advogado e mestre em Administração