segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Cidade amiga dos idosos

 

            Com o crachá já de idoso, só tenho que agradecer a Deus pela vida que me deu, pela família e os amigos que conquistei, pela capacidade de aprender com tudo aquilo que a vida coloca em meu caminho, com as escolhas que faço: nos certos e nos errados.

            Devo reconhecer, porém, a convergência do rápido processo de urbanização com o envelhecimento populacional tem conduzido à desafios e oportunidades para o desenvolvimento de soluções urbanas. Estimulados por esses desafios, o governo de Singapura está desenvolvendo o projeto “cidades para todas as idades”, cujo objetivo é melhorar a qualidade de vida no ambiente urbano e desenvolver soluções e serviços integrados e amigáveis aos idosos.

            Essa é a bola da vez. Devemos estar preparados para desenvolver e construir “cidades amigas” das pessoas idosas, que possam melhorar a qualidade de vida da população à medida que ela envelhece, em um mundo cada vez mais idoso e urbano.

            Pensando bem, envelhecer não é ruim, é um privilégio. Ainda bem que políticas públicas, em algumas cidades, estão sendo criadas para contemplar um público que antes não existia. A expectativa de vida era baixa, e a maioria morria cedo.

            O poder público e a sociedade têm que aprender a conviver com pessoas idosas, absorvendo sabedoria e experiências e respeitando suas necessidades e restrições. Assim como eu (e tanto outros), quero morrer vivo, jamais viver morto.

            A ONU acaba de anunciar 2021-2030 como a década do envelhecimento saudável. Entre as ações centrais da organização, estão políticas e espaços “amigos do idoso”. Este é o momento ímpar na vida do idoso. É um fato incontroverso.

            Os pilares do envelhecimento ativo - saúde, conhecimento, direito à participação na sociedade e segurança - impactam centralmente o nosso envelhecer. Impõe-se, portanto, já que a velhice depende de todas as etapas que a precedem.

            Enquanto puder falar, falarei. Não há uma receita mágica. Cada cidade tem suas peculiaridades, daí a importância de ouvir e envolver os idosos localmente. Todos, sem exceção, têm papel crucial neste processo.

            Há um provérbio indiano que diz “quando morre um idoso perde-se uma biblioteca”. Pois é. Uma cidade que valoriza os idosos é uma cidade rica e sábia. Logo, abandonar idosos é um pecado mortal.

            Até no mundo corporativo, em relação ao idoso, mudou. E a lição é simples: o mais velho precisa dar chance a liderança do jovem e vice-versa e, nesse encontro de geração, é fundamental que as duas partes estejam dispostas a ensinar e aprender.

            Minhas últimas palavras vão para o ser invisível – é com você aí mesmo, senhor prefeito. Ei! Cuidar dos nossos idosos é preservar a nossa história.

 

                                         LINCOLN CARTAXO DE LIRA

                                                    Advogado, administrador e escritor

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Os rumos da pandemia

 

             Tenho conversado com muitos amigos (pensadores), pessoas capazes de iluminar o pós-pandemia, para tirar do papel as boas ideias com objetivo de resolver a nossa situação sanitária e econômica.

            O panorama é de embasbacar. É fato: caso o País estivesse vacinando seus cidadãos, com um calendário programado e compra de imunizantes suficientes, a recuperação em V, da qual tanto fala o ministro Paulo Guedes, já estaria em um estágio mais avançado. No entanto, algumas autoridades insistem em fechar os olhos aos avanços da ciência, preferindo dar as mãos a um conservadorismo retrógrado.

            Sem minimizar o impacto da devastadora pandemia, parece-me claro que carecemos de um rumo. Quando o mundo entendeu que estávamos próximos da obtenção das primeiras vacinas e os países iniciaram a corrida para comprá-las, o Brasil não estava entre eles.

            Pelo contrário, o presidente se empenhou em afirmar que não seria vacinado, que ninguém era obrigado a fazê-lo contra a vontade e que os efeitos colaterais poderiam ser “terríveis”. Contrapondo a visão dos economistas, inclusive do seu ministro. Por essa derrapagem, somos o segundo país com o maior número de mortes.

            Apresso-me para dizer que o Brasil produz só 5% dos insumos farmacêuticos que consome. Poderia, sim, está nadando de braçada vendendo insumos para o mundo todo, e vacina também. A pandemia escancarou a verdadeira situação da ciência e da tecnologia em um país que é mais ou menos como o bambu: por fora, belo e imponente, por dentro, oco e vazio. Somos mestres em fazer belos discursos, arrumar desculpas e colocar a culpa nos outros, porém o que falta é competência e vontade política para transformar o conhecimento em coisas práticas e inovadoras.

            É injustificável que os países em situação parecida à do Brasil começaram vacinar muito antes, como Argentina, México, Chile, ou em situação até pior, como países da América Central. Exposição vexatória e degradante. Só não enxerga quem não quer.

            Para quem debruçou sobre o assunto e, ao mesmo tempo, para quem foi contaminado pelo Coronavírus, como eu, é repugnante constatar a sórdida batalha de desinformação a favor do vírus, na qual promove, com aplauso e a colaboração de uma claque radical e inconsequente, o descrédito de medidas básicas para conter a disseminação da doença.

            O brasileirinho da silva tem pressa de se vacinar para que possa retomar a confiança, sem a qual nenhum povo prospera. Vamos coordenar atores, agilizar os trâmites, negociar incansavelmente com fornecedores internos e globais, recrutar o que há de melhor na competência técnica brasileira para cada tarefa. É preciso afastar os ineptos, os amadores, os preguiçosos, os arautos da desinformação e os sabotadores.

            Recuperei o prazer da leitura, desaparecido ao longo do meu combate pandêmico. E não poderia terminar este texto sem citar Kamala Harris: “Somos ousados, destemidos e ambiciosos. Não nos amedrontamos em nossa crença de que venceremos, de que nos levantaremos”. Apesar de tudo, essa é também minha crença!

 

                            

                                          LINCOLN CARTAXO DE LIRA

                                                      Advogado, administrador e escritor

               

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

O “fura-fila” da vacinação

        Essa prática, lamentavelmente, faz parte da cultura brasileira, um fenômeno chamado jeito ou jeitinho. Trata-se de uma índole latente do nosso povo que atua como uma força motriz ou inibidora do seu comportamento. 

            É o tipo de pragmatismo tupiniquim: se dá certo é certo, sendo que “dar certo” equivale a “resolver meu problema”, ainda que censurável e desrespeitoso.  

            A vacinação será um processo longo, difícil e sujeito a falhas. Haverá, também, sacanagens. Como já era esperado, multiplicam-se os relatos de casos de pessoas que estariam furando a fila da vacina. Não há dúvida de que desrespeitar a ordem de prioridades constitui grave violação ética e, em algumas situações, se houver a participação de autoridades, pode caracterizar também irregularidade administrativa e até delito. 

            Os noticiários têm informado que entre os transgressores (fura-filas) estariam pessoas fora da área de saúde e também profissionais de saúde, incluindo médicos que não atuam diretamente na linha de frente do atendimento de pacientes suspeitos ou com Covid-19. É nada menos que uma bofetada no mundo da vida. 

            Como diz José Simão, precursor do humor jornalístico: ”Mudança no plano de vacinação! Na fase zero, serão vacinadas as famílias dos prefeitos do interior. Se uma cidadezinha recebe 39 doses, o prefeito já separa cinco pra família! Isso mesmo. Brasileiro não tem senso de coletividade. E mais essa: Miss Amazonas posta vídeo sendo vacinada e polemiza nas redes. ‘Miss é prioridade! E ela é blogueira’”. 

            Diante dessa vergonha dos “fura-filas”, temos grandes exemplos, como desse médico: “Apesar de ser de uma faixa etária de risco relativamente mais elevado para a Covid-19, resolvi agradecer e dizer não. A dose que, eventualmente, iria para o meu braço na semana passada pode ser dada a alguém na linha de frente. Essa é a lógica para qualquer doença quando se estabelece um plano de vacinação”. 

            É um egoísmo imenso passarem à frente. E um médico sabe muito bem disso. Logo, se fura a fila é de caso pensado, um crime contra a saúde pública. Desprovido de qualquer sensibilidade e razoabilidade. 

            Sem meias palavras, nosso problema é o oportunismo de visão curta, para quem tanto faz deixar a saúde, a ciência e a educação nas mãos de idiotas e incompetentes, porque acredita que sempre poderá vacinar a família e educar os filhos em outro lugar. 

            Municípios são mais vulneráveis às pressões políticas e econômicas locais. Na falta de doses suficientes da vacina, os exemplos vistos nesta semana mostram que outros interesses, que não público e sanitário, podem prevalecer.  

É preciso uma vigilância atenta e punitiva. O Brasil precisa dessa profilaxia, dessa limpeza, para dar credibilidade ao próprio povo brasileiro e a comunidade internacional. 

            O recado não poderia ser mais claro: furar a fila é feio demais e pronto! Indefensável. 

 

                                          LINCOLN CARTAXO DE LIRA 

                                         Advogado, administrador e escritor 

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Cartas extraordinárias

 

           Estou relendo com o mesmo entusiasmo quando li pela primeira vez o livro “Cartas extraordinárias”, do inglês Shaun Usher, Companhia das letras, 2014, versão em papel couchê, onde traz pérolas emocionantes do universo das cartas. Do comovente bilhete suicida de Virginia Woolf à receita de “scones” que a rainha Elizabeth II da Inglaterra enviou ao presidente norte-americano Eisenhower. Um parêntese: antes da internet, as pessoas também viviam conectadas.

            A pertinente obra é uma celebração do poder da correspondência escrita, que captura o humor, a seriedade e o brilhantismo que fazem parte da vida de todos nós. Digo até que alguns de seus textos sirvam de referência aos leitores e àqueles que, por desinformação ou desonestidade intelectual, falam e escrevem com parcialidade sobre os fatos que fazem parte da nossa história.

            É interessante se debruçar sobre o registro do então jovem Fidel Castro, aos 14 anos, e não 12, como afirma, pedindo, em inglês, uma nota de dez dólares ao recém-reeleito presidente dos EUA Franklin Roosevelt.

            Em novembro de 1942, durante a batalha de Guadalcanal, que se estendeu por três dias nas ilhas Salomão, o USS Juneau foi atingido por dois torpedos japoneses e afundou. Morreram 687 homens, entre eles os cinco irmãos Sullivan. Depois de dois meses dessa tragédia, sua mãe, Alleta Sullivan, enviou ao Departamento de Pessoal da Marinha uma carta comovente, solicitando informações sobre o acontecido.

            Aos 32 anos, Ludwig van Beethoven, um dos compositores mais famosos de todos os tempos, escreveu uma carta comovente que explica seu comportamento antissocial e sua aflição e só deveria ser aberta pelos irmãos após sua morte. Apesar da surdez, ele continuou compondo até o fim da vida.

            Duas cartas são endereçadas a Marlon Brando: numa delas, de 1957, o escritor Jack Kerouac suplica para que o ator faça parte da adaptação de seu recém-lançado livro “Pé na Estrada”. Noutra, de 1970, Mario Puzo faz pedido semelhante para a versão cinematográfica de “O Poderoso Chefão”. Por sua magnífica interpretação de Vito Corleone, Brando foi agraciado com o Oscar de Melhor Ator.

             E que Gandhi tentou, por meio de uma carta, fazer com que Hitler desistisse de dominar a Europa e não provocasse a Segunda Guerra Mundial. "Pelo bem da humanidade".

            Algumas outras são repugnantes, como a carta em que Jack, o Estripador, se apresenta à polícia londrina enviando um pedaço de uma de suas vítimas. Outros curiosos, como o de uma criança que sugere ao presidente norte-americano Abraham Lincoln que deixe a barba crescer.

            Deve-se destacar o fac-símile do telegrama que avisa aos militares na base de Pearl Harbor que as sirenes que estavam ouvindo não eram um teste – e sim o ataque que motivou a entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial.

            Para mim, como diz o autor, um verdadeiro deleite literário a ser degustado aos poucos.

           

           

                                                                 LINCOLN CARTAXO DE LIRA

                                                               Advogado, administrador e escritor