quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Justiça em Números



            Agora, revendo anotações para este artigo, li que para reduzir o estoque de processos judiciais será uma tarefa árdua e longa. Não só porque chegou a 92,2 milhões o número de ações em tramitação nos tribunais brasileiros, mas também – e sobretudo – porque, a cada ano, a quantidade de novos casos que chegam ao Judiciário supera a de decisões proferidas pelos magistrados.
            Conforme o relatório “Justiça em Números”, organizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2012 os juízes decidiram ao todo 27,8 milhões de processos – em média, cada magistrado julgou 1.450 demandas. Trata-se de aumento modesto, de 1,4%, em relação à produtividade de 2011.
 Entretanto cresceu em ritmo ainda maior a procura pelo Poder Judiciário. Foram 28,2 milhões de ações iniciadas em 2012 – 8,4% a mais que no ano anterior. Sem resolver nem mesmo o equivalente ao total de casos novos, a Justiça é incapaz de enfrentar o gigantesco estoque processual. Assim, acumulam-se nos escaninhos judiciários mais de 64 milhões de demandas que não foram decididas no passado.
Esse registro reforça a sensação de que vivemos em uma sociedade indefesa e sem perspectiva célere de Justiça. Essa aberração borra os limites para qualquer gestão qualificada. Como não bastasse, fiquei embasbacado e quase engasguei quando li que aqui em nossa terrinha, no bairro de Mangabeira, um juiz precisa acompanhar 20 mil processos. Perdoem-me, tipo de situação indesculpável! Ou melhor: é uma joia lapidar da falta de bom senso e senso crítico.
Sobre esse tema, a verdade é tão cristalina que, a respeito dele, não deve haver divisão de opiniões. Mas, infelizmente, as providências não chegam. E o jurisdicionado, por sua vez, não pode continuar aguardando eternamente por medidas para combater a morosidade processual que ainda é característica predominante na Justiça brasileira.
De todo modo, seria injusto imaginar que o quadro desalentador resulte apenas da incúria do Poder Judiciário. Quero fazer eco às palavras do ministro Joaquim Barbosa, presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, dando-lhe razão ao creditar o grande volume de casos novos à ampliação do acesso à Justiça (desejável) e à cultura de litigância (a ser combatida).
Dito isto, resta-nos torcer para que as autoridades gestoras do Judiciário se sobreponham às realidades. Estimulando, principalmente, caminhos alternativos de solução de conflitos, como mediação, conciliação e arbitragem.

                                                           LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                                           lincoln.consultoria@hotmail.com
                                                            Advogado e Administrador de Empresas
                                                   

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Gestão moderna



            Aprendemos com os gurus do mundo dos negócios que o sucesso não é questão de sorte, como muitos pensam. O sucesso é preparação, atitude mental, perseverança e disciplina.
            Não é à toa que poucos conseguem conquistar essas qualidades e chegar ao topo. Além disso, para se obter resultados surpreendentes, é necessária aquela essência de sonhe alto, pense grande, tenha coragem e ouse inovar.
            Quando vejo a derrocada do Grupo Eike Batista (empresas do “x”) e a difícil situação financeira da Petrobras acho que chegou a hora dos nossos gestores executivos saírem da zona de conforto e serem mais profissionais. É aquela coisa: ou você evolui ou não sobrevive.
            Isso fica cada vez mais evidente com a desilusão, ganância, cinismo e autointeresse dos atuais gestores, tidos como “modernos”. Em termos morais e sociais, isso é imperdoável. Estamos já pagando um alto preço por tais equívocos.
            Ora, quem já leu alguns dos princípios de Peter Druker sabe que essa trupe está na contramão do mundo corporativo. Ele ainda é considerado uma excentricidade da gestão moderna. Em um campo notoriamente propenso a novidade e modismo, os conceitos de Druker continuam a ser reverenciados.
            Na verdade, Druker enxergava a gestão não como uma ciência, mas como uma arte generosa. Criticava, já naquela época (1950 a 1970), arduamente os altos salários de executivo. À medida que a remuneração dos executivos aumentava e a ideia de que a empresa deveria ter outro propósito além de produzir lucros diminuía. A diretoria de Eike Batista é um bom exemplo: pelo menos dez executivos saíram com mais de R$ 100 milhões no bolso.
            A falta de gestão administrativa tornou-se sinônimo de dores de cabeça e confusão para muita gente. Outra boa lição, dessa deficiência, vê-se na esfera do governo Federal: com um PIB mixuruca, superávit fiscal frouxo, inflação no teto, balança desbalanceada, e sem o ingrediente novidadeiro da Bolsa Família. Não só entendo como não vejo ironia em dizer que gestão não é a “praia” de muito deles e por isso fazem besteira.
            Sem truque semântico, o grande legado de uma administração pública é o modelo de gestão qualificada: o reconhecimento da meritocracia, a adoção de uma política de resultados, o incentivo aos bons servidores e às boas práticas. Qualquer dedinho de prosa sobre o assunto vai ver que não há mais espaço para a estratégia de empurrar com a barriga os problemas de gestão.
            Portanto, vale à pena perder (ou ganhar) um tempinho e ler alguma coisa sobre os fundamentos da boa gestão. Antes tarde do que nunca.


                                                                  LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                                                   lincoln.consultoria@hotmail.com
                                                                    Advogado e Administrador de Empresas
                       

domingo, 10 de novembro de 2013

Reforma de apartamento

       Se você está pensando em fazer uma reforma em seu apartamento, então procure, desde logo, se mudar de “mala e cuia” para outro lugar, se possível, bem distante, até concluir a tal empreitada. Ainda que seja simples. À raça dos sossegados de nascença te aconselha.
            Mesmo que o profissional seja gabaritado: à frente das tendências, das inovações, tecnologia e comando do planejamento e das ações na obra. Assim mesmo, são inevitáveis os transtornos. O epicentro está na poeira, nos entulhos, na desarrumação da mobília, na barulheira, no entre sai de gente (operários, vendedores e agregados). Sem falar das queixas que podem advir dos vizinhos e, notadamente, do síndico. Vexação total. Poderia ficar aqui a desfiar um rosário de outras broncas, mas não vale à pena.
            Na verdade, estou tentando me convencer, aliás, já me convenci que será a última a reforma que fiz recentemente em meu apartamento. Ou melhor: dos meus projetos, iguais a este, vai estar certamente no final da fila. Ademais, como diria Manuelzão, personagem imortalizado na obra de Guimarães Rosa (Grande Sertão: Veredas): “A gente tá na vida emprestado...”. A qualquer hora Deus poderá nos chamar. E aí?
            Calma. Apesar dos pesares, tem um pequeno lado bom dessa reforma que a gente termina encontrando certos objetos de estimação que há muito tempo sentíamos falta, como é o caso do meu prazeroso CD “Paul Mouriat – Gold Concert”. Entre seus maiores sucessos, os mais conhecidos são “L’Amou est Bleu”, “El Bimbo” e “Penelope”. Porém, a canção brasileira “Manhã de Carnaval” é a que mais me fascina e me comove pela qualidade exuberante dos arranjos. Até um livro de Neruda, que Chico Buarque tão bem retratou na canção “Trocando em Miúdo”, para minha sorte, achei na minha biblioteca desarrumada depois de longos anos à sua procura.
            Essa mania moderna de investir em coisas materiais é enervante e nos desloca, muitas vezes, do essencial. Vivemos focados na miragem de resultado, da vaidade, do status social e do êxito a qualquer preço. Entretanto, sabemos que esse “bem-estar social” não é sinônimo de felicidade interior.
            Em minha opinião, nos desperdiçamos toda vez que confundimos o acessório com o essencial. E o essencial é que possível mudar o mundo se olharmos para ele de outra maneira e não deixarmos tocar por aquilo que, na verdade, não interessa.
            Às vezes penso que o mundo quer que a gente ande na moda, que a gente troque de carro, que a gente tenha boa aparência, que a gente troque de apartamento e estoure o cartão de crédito. Enfim, o mundo nos impõe todo tipo de vaidade, mas não quer atender nossas necessidades.

LINCOLN CARTAXO DE LIRA
Advogado e Administrador de Empresas

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

O poeta cientista


       Lembro com carinho e muita saudade de Seu Hélio Guimarães, uma pessoa muito querida de nossa família, cantando de forma arrebatadora: “De noite/Rondo a cidade/A te procurar/Sem encontrar/No meio de olhos espio/Em todos os bares/Você não está...”. Tem gente que diz que é o hino de São Paulo. É a história de uma prostituta que vai matar o amante. Uma música que impregnou corações e mentes.
            Foi a partir daí, ouvindo pela primeira vez essa canção chamada “Ronda”, que passei a conhecer um pouco da obra de Paulo Vanzolini – poeta, compositor e zoólogo. Embora seja autor de mais de 70 músicas, ele não se considerava um profissional da área. Doutor em biologia pela Universidade de Harvard, a zoologia foi a sua grande paixão, mas nunca deixou de apreciar a boa música junto com a boemia.
            A hipocrisia e o pedantismo é que mais me incomoda, pois o referido compositor não os tinha, e procurava demonstrar que não tinha esses “atributos” tão instigantes no meio artístico. A música “Ronda” que se tornou um clássico do samba paulista, serviu de inspiração para outra obra que retrata a capital paulista, “Sampa”, de Caetano Veloso. Porém, com seus lábios entreabertos esboçando àquele sorriso, dizia: “Uma música é considerada plágio quando tem oito compassos de outra. ‘Sampa’ tem quatorze compassos de ‘Ronda’. É uma citação”.
            Foi em “mil novecentos e Araci de Almeida”, brincava aos sorrisos Seu Hélio, ao referir e cantar o samba “Volta Por Cima”, outro notável sucesso de Paulo Vanzolini: “Reconhece a queda/E não desanime/Levanta, sacode a poeira/Dá volta por cima...”. É uma daquelas canções que a gente ouve e jamais esquece.
            Para nós, pensadores contemporâneos, trocando em miúdos, tais versos traduzem: se alguém lhe fecha a porta, não gaste energia em vão, procure as janelas. Lembre-se da sabedoria da água: a água nunca discute com seus obstáculos, mas os contorna. Ou melhor, ainda: se um projeto não dê certo, respire fundo e parta para um novo projeto. Não se dê tempo para se sentir derrotado, “nem a pau!”.
            Olha, neste papo-cabeça, como diz a garotada por aí, vejo que o compositor Paulo Vanzolini faz parte da linhagem artística com Tom Jobim, pondo em prática os ensinamentos que recebera de Heitor Villa-Lobos sobre o “ouvido de dentro” não tem nada a ver com o “ouvido de fora”.
            Às vezes, paro e pergunto: por que não a parece outros poetas da música como Paulo Vanzoline? Será que a fonte secou? Ou até quando vamos ter que aturar a pobreza melódica cheia de gracinhas e vazia de conteúdo?


LINCOLN CARTAXO DE LIRA
Advogado e Administrador de Empresas