terça-feira, 29 de outubro de 2013

Horário de verão

            Todos os anos há essa lengalenga do horário de verão. Agora, pra quê? Pra economizar R$ 120 milhões e impor esse sacrifício aos trabalhadores durante quatro meses. Sem falar que afeta o chamado relógio biológico das pessoas, principalmente dos mais velhos, com prejuízo à saúde. Àqueles persistentes pela medida surreal: o puxão de orelha é pertinente.
            Enquanto isso, só em juros de suas dívidas, governo federal, estaduais e municipais gastaram 5% do PIB (R$ 230 bilhões) nos últimos 12 meses. Ora, está na cara que seria muito mais prudente mexer nos juros dessa dívida do que manter o sacrifício/aborrecimento para a população que se submete a esse horário aviltante.
            Há quanto tempo já sabemos disso, não é mesmo? Não se trata de uma “picuinha”, mas de um fato público que não contribui substancialmente em nada. Destacando-se aí a ausência da crítica que Paulo Freire brilhantemente chamava de “cultura do silêncio”. Na outra vertente, ao contrário da discussão aberta, plural e democrática das idéias, o que se vê muitas vezes é um esforço para desqualificar e estigmatizar a voz discordante, num processo do maior requintado autoritarismo.
            Se todos os nossos problemas fossem esses, estaríamos no céu. Porém o poço é bem mais fundo. Somos um País sem educação, sem preparação de mão de obra qualificada para todos os setores importantes da economia, vivemos em eterna insegurança com a violência descabida, corrupção e tantos outros problemas que travam o Brasil.
            Acho que já falei aqui, num desses meus artigos, que o Estado brasileiro tem uma tradição intervencionista muito forte. É um Estado que pode muito, mas se move muito devagar. O que prejudica o foco da eficiência. E a burocracia? Valha-me Deus! Segundo Guilherme Afif Domingos, a nossa burocracia é como colesterol. Tem o bom e o ruim. O bom é o que lubrifica as artérias do sistema administrativo. O mau - a má burocracia – é o que entope os vasos. E o Brasil está à beira de um infarto. Logo, simplificar é preciso.
            Sou solidário zero na questão do horário de verão. Uma atitude leniente face aos nossos desmedidos problemas. Precisamos de projeto claro, planejamento rigoroso e mobilização em torno das grandes causas nacionais. Razão pela qual estamos sendo penalizado com esse crescimento medíocre – com o termo burlesco de “pibinho”.
            O horário de verão é exemplo de miopia tradicional e sem futuro. É muita manchete para pouca notícia (resultado). O Brasil tem todos os elementos para tornar-se um País riquíssimo – mais riquíssimo de verdade, e não, como hoje, apenas rico de “possibilidades”.


                                                                 LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                                                 lincoln.consultoria@hotmail.com
                                                                  Advogado e Administrador de Empresas


domingo, 20 de outubro de 2013

O partido acabou



       Os partidos políticos brasileiros, há um bom tempo, passaram ser figuras meramente ilustrativas. Ocorre que essas legendas, para funcionar dentro de um sistema viciado, acabaram por rasgar os seus programas partidários, traindo os seus eleitores.
            Sem subliminares, chega a embrulhar o estômago os argumentos dos políticos para justificar a saída de um partido para outro. Em vez de uma higienização nos modos da política, assistimos hoje a uma festival de troca-troca de partidos e de criação de novas siglas, que já são 32 no País, por enquanto! Nesse tipo de república (com “r” minúsculo) e nesse tipo de democracia (com “d” minúsculo) que ninguém se iluda: a tese de partido acabou.
            Ora, ora, melhor seria uma ampla e profunda reforma política, exigindo de siglas e afiliados respeito aos princípios programáticos. Essa prática esdrúxula, amparada por uma legislação equivocada, é mais uma de nossas jabuticabas. Pior: é que somos coadjuvantes desse teatro, bobos da corte mascarada.
            É chegado a hora de deixar o marasmo de lado, tomar fôlego para combater os políticos aproveitadores desse sistema pernicioso. Está na hora de parar de apontar o dedo e fazer autocrítica, simplesmente. Todos nós, sim, somos responsáveis por esse estado de coisa. A cada eleição estamos lá referendando as suas candidaturas e apertando as suas mãos, quando deveríamos repelir.
            Quem diria que a Marina Silva, com o seu projeto de criação da “Rede Sustentabilidade”, viesse decepcionar os seus seguidores com uma proposta de fazer da política uma nova política. A bem da verdade, ela é igual a todos os outros políticos, não pensam na próxima geração, mas na próxima eleição. A queixa comum é de que essa prática passou do limite: a ideologia dos programas partidários não tem valor, o que tem valor é outra coisa.
            Decepção. Sem floreio retórico, essa é a palavra que melhor define a decisão de Marina Silva em se filiar ao PSB. Agora, com seu parceiro Eduardo Campos representa tudo àquilo que ela combatia: histórico de fisiologismo, latifúndio, elite empresarial de Pernambuco, usineiro tradicional. Por favor, não confundam o que digo com “desculpologia”.
            De fato. Apenas quatro partidos são mais do que suficientes para agregar com conforto e concisão todas as possíveis vertentes do pensamento político, econômico e social. Ou a sociedade força essa mudança de forma contundente, fazendo com que a política deixa de ser um balcão de negócio, ou ela nunca ocorrerá e o Brasil será sempre explorado pelos pseudocavalheiros da esperança.


                                                              LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                                               lincoln.consultoria@hotmail.com
                                                                Advogado e Administrador de Empresas


quinta-feira, 10 de outubro de 2013

O pequeno príncipe



       Sempre que chega o dia das crianças (12 de outubro), me chega também às recordações da minha infância. Entre tantas coisas boas lembro-me da voz de minha mãe, Dona Aila, dizendo “este menino é muito estudioso. Ele ainda vai chegar lá”.
            Tenho certeza que tal perspectiva de confiança me levou estudar para isso e trabalhar feito um condenado. E nesse início da minha trajetória de vida, a leitura do livro “O pequeno príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry, me fez ver que a felicidade é um estilo de vida, e se a sua vida não está do jeito que você quer e merece, chega a hora de alimentar a paixão por viver.
            Como bem disse o meu amigo Cordeiro, com sua barba de revolucionário russo: “Este livro é de criança e de adulto também, pois todo homem traz dentro de si o menino que foi”. Fiquei babando ao ver, e depois reler, a nova impressão de “O pequeno príncipe”, totalmente em conformidade com a edição original americana, a única feita com o autor ainda vivo, em 1943. Sucesso absoluto. Não é à toa que o referido livro seja lido sempre por milhões e milhões de pessoas. Traduzido em oitenta línguas diferentes.
            Preso no deserto, o autor fala do seu primeiro contato com aquele homenzinho extraordinário, com uma vozinha estranha e os olhos arregalados de espanto, solicitando-lhe: “Por favor... desenha-me um carneiro!”. E foi assim que ele conheceu, um dia, o principezinho.
            O grande diferencial é seu formato simples, em linguagem sem rebuscamento ou filigranas, prendendo-se ao seu objetivo de contar uma história aparentemente tão ingênua e que comove tantas pessoas. Na narrativa do livro não vislumbra desânimo. Há, sim, a noção de que existem problemas, mas também soluções.
            Essa é a magia do livro: viver abundantemente, com intensidade, tudo o que faz sentido para o seu coração. É preciso “ferver” e não apenas passar de modo morno por esta vida, que é tão cheia de esperanças, expectativas e oportunidades para fazermos tudo realmente acontecer intensamente. Mesmo sabendo que não há saída fácil para a vida.
            Não estou sendo original, muitos intelectuais e muitas pessoas do mundo da leitura já escreveram sobre uma passagem desse livro, no coloquial do principezinho e a raposa: “Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos”.
            Por último, tiro o meu chapéu lusitano para essa obra que traduz algo do tipo: apaixone-se pela vida e curta a loucura de viver.


                                                                         LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                                                         lincoln.consultoria@hotmail.com
                                                                          Advogado e Administrador de Empresas

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Um analista em Sucupira



       Vivemos um tempo em que o cotidiano de milhares de pessoas que circulam pela cidade grande é pontuado por incertezas, dúvidas, decepções, paixões, dramas e esperanças. Porquanto, às vezes, aparece um sujeito com cara de intelectual fazendo um trip-tease verborrágico de suas proezas para resolver todos os problemas do mundo, notadamente para aqueles com visão pessimista da vida.
            Mas tem, sim, profissional sério, como aquele que apareceu no município de Sucupira, inspiração da obra do dramaturgo Dias Gomes – “O Bem Amado”. Seu nome, Dr.Sinval Moreira, psicanalista, que chegou para atuar na cidade através de uma carta de apresentação assinada pelo Governador da Bahia. Diz Odorico, obtusamente:
             - É um prazer receber o execelente analista das Excelências. Por acaso, o governador está com algum descacholamento neurotizante, quem sabe o fato dele ter renunciado à candidatura, mas tem tanto renuncista andando por aí, até falando na televisão...
            - Não sou analista do Governador. – Descontraído, respondeu Dr.Sinval, com a gravata meio torta no colarinho aberto, a barba negra e rala no rosto encovado. Acrescentou ainda:
            - Essa carta de recomendação foi um amigo que me conseguiu. Estou realizando um trabalho de campo sobre o perfil psicológico do brasileiro, que pretendo terminar aqui em Sucupira.
            Odorico, por sua vez, lança uma nuvem de fumo cubano para o teto, como pequenos discos voadores, e se esmera em seu linguajar:
            - Emboramente uma recomendação de Sua Excelência abra portas, portões e portinholas, eu não sei que adjutório vou poder dar ao amigo. Não me parece que o senhor terá aqui uma boa clientela. Não que não haja birutistas compulsórios por toda a cidade. Noves-fora os neuro-comunistas juramentados. Mas não creio que nenhum deles vá se deitar no seu divã.
            Sem perder a pose e sem rodeios, avisa:
            - Não obstantemente sejamos uma cidade em desenvolvimento, Dr.Freud ainda não passou por aqui. De sorte que, meu caro Dr.Sinval, temo que não fature nem pra pagar o seu instrumento de trabalho, o divã.
            No final desse coloquial, Odorico estende a mão ao analista com essa pérola retórica:
            - Claro, não vou deitar no seu divã... mas meu sofá está às ordens. Não sou um divanista praticante, mas posso ser sofadista eventual.


                                                                LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                                                lincoln.consultoria@hotmail.com
                                                                  Advogado e Administrador de Empresas