É sabido,
comumente, que os apelidos são oriundos pelo comportamento das pessoas, por
suas características físicas, por outra qualquer situação inusitada ou
hilariante.
O que se vê
hoje, é que essa prática de botar apelido quase não mais existe. Deve-se
(acredito) aos novos tempos: é só computador, jogos eletrônicos, muita
individualidade, frieza e menos emoções.
Quando
criança, lá pras bandas de Cajazeiras, tinha um senhor, prestes a se aposentar
pela prefeitura dessa cidade, na condição de Guarda Municipal, cuja incumbência
funcional era vigiar tenazmente o Grupo Escolar Monsenhor Milanez. Não sei
porque cargas d’águas lhe aplicaram o apelido de “Dois-de-ouro”. Por certo,
devido o seu fascínio que detinha de jogar um divertido carteado.
Essa figura
parecia uma autoridade constituída (a boa autoridade). Ou melhor: se sentia
como autoridade o fosse, enfronhado em sua farda de caque com uma fita verde
vertical na calça, sapatos pretos já bem desgastados (ao estilo vulcabrás),
quepe ostentando a insígnia da edilidade municipal. Completando a sua
indumentária, o inseparável cacetete, que o conduzia na cintura como uma
verdadeira arma de fogo.
Ademais,
movia-se desajeitadamente como se estivesse desconjuntado. Baixinho, magro,
pele tostada pelo sol causticante do sofrido sertão.
Naquela
época se curtia uma peladinha. O egoísmo e a ânsia de vencer uma partida era
apenas um detalhe. Longe, ainda, dessa roda viva atual de um sistema
competitivo, louco e destruidor – totalmente robotizado.
Foi nesse
cenário bucólico, utilizando de nossas travessuras para chamá-lo de
“Dois-de-ouro”. Era um deus-nos-acuda. E quanto mais se raivecia o apelido
pegava.
-Tenho
vontade de matá-los – vociferava.
Ante o
potencial de nitroglicerina do nosso guarda, esbravejava numa nostalgia da
pornochanchada, com toda carga de palavrões. Cada vez que gritávamos
“Dois-de-ouro”, isso provocava um arriscado rastilho de pólvora.
Desapercebidamente,
um belo dia, fui apanhado por ele. Formou-se o bafafá, e o indefectível
“Dois-de-ouro” não quis conversa.
-Seu
guarda, juro que só queria brincar.
Retrucando-me:
-Vou lhe
fazer em picadinhos!
Uma “justa
vingança”, como se houvesse vingança justa, sacolejando-me, de um lado para o
outro, para cima e para baixo, o suor me escorria em bicos pelo rosto, depois
me agachei e consegui escapar de suas garras.
Sob ameaça
de botar a boca no trombone, após vê-lo tomando banho (completamente nu)
debaixo da caixa d’água do educandário, observei que o mesmo detinha uma
deformação em seus testículos (soco escrotal), esbaforiu:
-Seu
moleque cabeludo!
-Peraí... Vô
te pegar, seu filho da...!
A partir daí me dei conta de algo: tenho
procurado fazer o bem, não sei se faço, mas me esforço, mesmo diante de certas
brincadeiras.
E mais:
quando vejo as praças, as escolas, os logradouros literalmente abandonados e/ou
pichados, sinto nostalgia do guarda “Dois-de-ouro” para defender, de forma
intransigente, o nosso patrimônio público.
12/04/2008
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