Passado essa turbulência da vida
brasileira, espera-se que o País reencontre o caminho da estabilidade e do
crescimento econômico. Como também, espera-se que haja uma reflexão profunda
sobre o instituto de foro privilegiado que tem dado guarida a figurões de nossa
República, em crimes com tanta impressão digital.
É espantoso. Boa parte das pessoas
que conheço, incluindo a mim mesmo, acha uma aberração tal prerrogativa que
fere frontalmente o princípio republicano da igualdade, segundo o qual a lei
deve ser aplicada da mesma maneira a todas as pessoas, independente da posição
social.
Ouvi essa discussão não uma, nem
duas, mais várias vezes. Pois ninguém pode pretender estar acima da lei na
democracia. Ninguém pode querer ser intocável. É antiético, imoral, injusto. Na
Espanha, na Suíça, na Holanda e nos Estados Unidos, para ficarmos em alguns
poucos exemplos, não existe foro privilegiado.
É então que me pergunto: como é que
pessoas inteligentes e bem informadas têm o arrojo de ignorar essa realidade? É
bom lembrar que o foro privilegiado subverte princípios processuais
fundamentais e a própria organização do sistema de Justiça. Tribunais são
estruturas concebidas para reapreciar causas, e não para colher provas e
instruir processos. O que leva, certamente, a morosidade, com consequências
descabidas da prescrição. Coroando a isso o amargo sabor da impunidade.
Aonde isso nos leva? Levantamento
feito pelo próprio Supremo verificou que, nos últimos dez anos, foram
concluídos apenas vinte processos penais envolvendo políticos. Em treze, foi
declarada a prescrição, e nos outros, os réus foram absolvidos. Ou seja, não
houve condenação nenhuma nesse período. A situação é semelhante no STJ, que
nunca condenou criminalmente um desembargador.
Não se admite, eticamente, que os
ministros do STF e o procurador Geral da República, indicados pelo presidente
da República e aprovado pelo Senado, venham no futuro se deparar na situação de
julgadores de quem foi responsável pelas suas nomeações. Por mais que o
acusador e os julgadores contem com garantias constitucionais para sua
independência. Mesmo assim, há um grande risco de vinculação política, ideológica
e sentimento de gratidão para com aqueles que contribuíram nas suas nomeações.
Que mais posso concluir daí senão
dizer que o foro privilegiado é um menosprezo ao cidadão, e tampouco pode ser
abrigo para indigência moral, indigência ética.
LINCOLN CARTAXO DE LIRA
Advogado
e mestre em Administração
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