domingo, 10 de setembro de 2023

O salto do sapato

 

                

        Vai longe o tempo em que dançar com rosto colado é coisa que os jovens de hoje não conhecem como preliminares de um ato de sedução. Nesses bailes ou boates de antigamente, os jovens rastreavam o salão em busca da garota para dançar e quiçá iniciar um namoro.

            É verdade. As danças se prolongariam e, na hora exata, os rostos se colavam e a sedução começava com uma conversa de ouvido. Transformando-se numa idêntica enciclopédia romântica que valia até mentiras ingênuas.

            Outro dia, eu circulava pela praia do Poço (Cabedelo), quando dei por mim, lembrei da inauguração da boate Cadeia, na década de 1970, que funcionava bem próximo do famoso restaurante Badionaldo. Um diário do passado foi invadindo a minha cabeça.

            Bons tempos aqueles onde se estudava e trabalhava muito para no fim de semana curtirmos as festas com os amigos e, evidentemente, com as garotinhas. Época que o mundo não estava perdido, estava achado. Você era o cara, o melhor papo da praça. 

            A inauguração da citada boate foi muito badalada. Fiz questão de participar com roupa e sapatos novos. O detalhe aqui está nos sapatos, mais na frente deste texto direi por quê.

            Festa rolando... o galanteador aqui na espreita, na expectativa que “pintasse um clima”. Ou melhor: de chamar alguma garota para dançar.

            Depois do convite formalizado de “vamos dançar” e aceito com o “sim”, começamos a entrar no ritmo musical, já arrasando, pois os nossos olhos já tinham se cruzado antes disso. Sinal de empatia para dançar, no mínimo.

            É. Logo vi que alguma coisa me puxava em uma de minhas pernas, e com isso perdi o compasso da dança.

            Eu olhei para os lados para ver o que estava acontecendo, e murmurei:

            - Nossa, alguma coisa está errada? Dei mais uma olhada em volta, e nada.

            - Será que eu estou bêbado ou desaprendi a dançar? Céus. Que coisa.

            Sem perder a pose, continuei ali dançando, mesmo desequilibrado. Porém, fora de ritmo. Vexame total.

            Que cena ridícula. Para meu espanto, ainda percebi um segurança cutucando o outro com o cotovelo, apontando na minha direção. Com aquele sorriso de bundão.

            Quando de repente, não mais que de repente, dei conta que o salto de um dos meus sapatos tinha caído e desaparecido. Até pensei que estava desamarrado. No duro. Que sufoco!

            Sim, cai na real: perdi o salto! Como? Não sei!

            O desespero tomou conta. Haja eu olhar a procura do danado do salto. E nada!

            A garota já incomodada, me olhando meio de soslaio, indagou:

            - Hum, tem alguma coisa errada? Você está sentindo alguma coisa?

            O incidente fez com que, ali mesmo, terminasse a dança e o papo.

            Nessa noite não dormi. De manhã, ainda na cama, fui me certificar. Poderia ter sido um sonho. Nada. Era vero.

            Até hoje, não sei onde o infeliz salto do tal sapato se escondeu, escafedeu-se.

 

                                   LINCOLN CARTAXO DE LIRA

           

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