Eu era garoto, não tinha entrado na
adolescência, mesmo assim, jamais consegui me libertar das imagens de
então, associadas ao velho Cine Éden, cinema localizado na minha cidade
natal (Cajazeiras). Com fachada meio sombria de um azul anil desbotado, para um
moleque, a verdadeira caverna de sonhos, com todos os tesouros de magia,
fascinação...
É,
ressalte-se, um tempo em que o estudo era grande, o tempo era largo e o
dinheiro curto, que só dava mesmo para pagar a meia entrada.
De
repente uma cortina bordô pesada se abria para a sala de projeção, onde saia o
feixe de luz levando o espectador a rir, chorar e se emocionar, e antes de
desligar todas as luzes, o operador deixava uma iluminação mais fraca durante a
apresentação do Canal 100, no qual fazia ver o lado lírico, dramático,
delirante do futebol brasileiro, sob a direção fantástica de Carlos
Niemeyer.
Faz
sentido, era como um ritual, entrar em algumas das salas de cinema no Brasil
entre o fim dos anos 1950 e meados dos 1980 significava ter de passar por um
cinejornal antes de chegar ao programa principal, o filme em cartaz. Um deles,
o Canal 100, cobria todos os tipos de assunto, de política a cultura, de
medicina a economia – e esporte, com evidente preferência pelo futebol.
Ah, não
posso esquecer: introdução pelos acordes iniciais de “Na Cadência do Samba” -
pã, pã, pã, pã, pã, pã -, canção composta por Luís Bandeira e imortalizada na
versão instrumental de Waldir Calmon, as cenas de bola nos pés, bola nas redes
encantavam corações e mentes. Ficando a sua locução a cargo do vozeirão
inconfundível de Cid Moreira.
Para
alegria de todos, mormente para a memória dos cinéfilos, o acervo do Canal 100,
que nos últimos anos correu risco de desparecer por inépcia e descaso, voltará
a ser examinado, recuperado e classificado – esse tesouro inestimável.
O
projeto faz parte do movimento Viva Cinemateca, lançado recentemente. Contempla
a retomada de um trabalho interrompido em 2013, quando uma crise institucional
se instalou no maior arquivo audiovisual da América Latina.
Sim, é
trabalho minucioso, de ourives, que inclui rever os filmes, identificar o
conteúdo, eliminar partes estragadas, fazer emendas e encaminhar para
duplicação em suporte digital.
O zelo
com o Canal 100 é compreensível e louvável. Mudou a maneira de ver o futebol –
e influenciou as coberturas esportivas em todo o mundo. Dirigidos por Niemeyer,
cinegrafistas como Francisco Torturra e João Rocha, entre outros, criaram um
olhar mais aproximado das partidas, usando recursos novidadeiros de seu tempo.
Por isso
engrosso o coro: recuperar a memória do cinema é um verdadeiro gol de placa.
LINCOLN
CARTAXO DE LIRA
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