quarta-feira, 9 de junho de 2021

Curso de datilografia

 

             Ao entrar numa loja que vende móveis usados, localizada na nossa tradicional rua da República, fui tomado de surpresa quando vi, isolada no canto, uma antiga e surrada máquina de escreve Olivetti. Pronto. Nostalgia estava no ar.

            Vasculhando minha memória, lembrei, ainda adolescente, à época, a datilografia era requisito básico para a obtenção de um emprego em escritórios, bancos, concursos etc. E para aprender a ter a velocidade no uso dessa máquina de escrever sem olhar para o teclado, e sim apenas para o papel, era necessário recorrer às escolas especializadas, onde os cursos treinavam, por repetição, o futuro datilógrafo, condicionando-o a teclear sem olhar as letras. Só, então, era possível tirar o ambicioso diploma.

            A argúcia saudosista persistia. Naquele tempo eu já começava a ter ideia que a vida não é tão arrumadinha como a gente gostaria. Sendo mais prático: o mundo não tem doçura, não tem paciência, não para para ouvir. Apesar dos percalços, o curso de datilografia era o início de tudo para quem quisesse conquistar um bom emprego.

            Certo dia, lá pelo o início da década de 70, a escola de datilografia que eu frequentava na rua Barão do Abiaí, quase em frente à Superintendência do INSS, ouvi um diálogo entre dois colegas mais ou menos assim:

            -Quer saber de uma coisa? Para mim chega. Tô fora!

            -Também não dá para continuar batendo nessa máquina.

            -É coisa de doido. Vou terminar tendo um “piripaque” de raiva.

            -Pode crer. Estou indo embora. Tchau!

            Exagero na dose (de manifestação)! Contudo, mesmo sabendo da precariedade das máquinas do tipo Remington, Olivetti, Hermes Rocket, instaladas nessa modesta escolinha, não impedia que atingíssemos os nossos objetivos. Neguinho para pegar uma máquina em bom funcionamento tinha que chegar às aulas mais cedo. Ficava ali cochilando, sentado na recepção, aguardando a minha vez para dar início ao meu aprendizado.

            Por outro lado, a professora, com ares de durona, não dava espaço à conversa fiada: “Vamos lá, turma! O tempo está esgotando”. Cá entre nós, pense no sufoco. Seria risível se não fosse trágico.

            O processo era simples: digitava-se, por exemplo, as letras “A”, “S”, “D” e “F” com dedos mindinho, anelar, médio e indicador respectivamente. Nada de usar só o indicador nem olhar para as teclas! Depois eram feitos exercícios com todas as outras letras, sempre utilizando a técnica da memorização. Em seguida vinham as palavras, concluindo com o ditado ou cópia dentro de um prazo pré-estabelecido.

            O fim das escolinhas de datilografia decorre das ideias avançadas, costumes avançados, tecnologias avançadas: tudo em nome do mundo da informática.

 

                                    LINCOLN CARTAXO DE LIRA

                                     Advogado, administrador e escritor

 

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