segunda-feira, 1 de junho de 2020

Lockdown doméstico

            Concordo que se devam estudar regras que asseguram a maior contenção viral possível com o menor sofrimento. Faz sentido, por exemplo, impedir pessoas de sair para caminhar ou se exercitarem sozinhas? Parques e praias precisam mesmo ser fechados ou bastam outras medidas contra aglomerações?
            Outro dia, enquanto cumpria minha rotina de distanciamento social, dei de cara com o meu velho amigo Cordeiro, num balcão de farmácia desta cidade. Como sempre, questionando alguma coisa. Do tipo: você está conseguindo dormir? Tem pesadelos? Indo ao banheiro constantemente sem ter diarreia? Está sentindo tédio?
            Dessa vez, reclamando exaustivamente o baque provocado pelo Covid-19: “Não aceito mais essa vidinha escravocrata. Pior: fiquei muito angustiado por duas semanas quando senti alguns traços apontados como de característica dessa temida pandemia. Fiz o teste, e o resultado foi negativo. Apesar de confuso, cheguei à conclusão que tais sintomas eram decorrentes da cizânia de minha mulher. Pura maldade, claro!”.
            Aí vem toda sua história. No início de março, deste ano, depois de se aposentar, ele foi até o INSS para registrar a sua aposentaria. A mulher atrás do balcão lhe pediu algum documento de identidade para verificar a sua idade. Olhou nos bolsos e percebeu que tinha deixado sua carteira em casa.
            Pediu desculpas à mulher e disse que teria que voltar em casa e vir novamente mais tarde. A referida mulher, com uma fleuma gentil, disse: “Desabotoe sua camisa”. Mesmo achando engraçado, fez o que ela lhe pediu e abriu a camisa, exibindo o seu peitoral com cabelos grisalhos encaracolados. Ela falou: “Pra mim, basta. Aqui já é prova suficiente para a sua aposentadoria”.
            Chegando em casa, contou para sua esposa com entusiasmo sobre a experiência. E ela, sem tirar nem por de uma pessoa revoltada, fulminou: “Você deveria ter baixado as calças, teria recebido uma pensão por invalidez, também”.
            Após ter ouvido o clamor do amigo Cordeiro, desejei-lhe paz e bênção na solução do seu indigesto “lockdown doméstico”.

                                               LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                                lincoln.consultoria@hotmail.com
                                                Advogado e mestre em Administração


           

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