Belisque-me para ver se não estou
sonhando! Foi assim que me senti quando escutei o CD presenteado por um amigo
lusitano, no qual registrava o encontro de Vinicius de Morais e Amália
Rodrigues, ocorrido em 19 de dezembro de 1978, na casa (em Lisboa) dessa
magistral cantora portuguesa.
Numa “concertación” impecável,
sufocada pela efervescência intelectual e musical, foi a marca desse grande
encontro, que mostra aquele Vinicius detentor de uma inteligência privilegiada,
de uma verve inesgotável, personalidade de “bom vivant” e de altíssimo astral, e
a encantadora Amália, de voz cristalina, pessoalidade marcante, onde eleva o
Fado (que a tornou famosa) à mais alta categoria artística.
Chuvas de palmas! Trovoadas de palmas!
Quando o nosso poeta - acompanhado por excelentes instrumentistas da
constelação da música popular portuguesa que já lhe aguardavam festivamente - começou
a cantar “Para quê chorar”. Em seguida declamou o poema “Monólogo de Orfeu” e
depois “O dia da criação”. Naquela interativa conversa amorosa e fraterna, a
pedido do próprio Vinicius, brilhantemente Amália canta “Gaivota” e outras
canções memoráveis.
Como Vinicius sentenciou: “Viver é a
arte do encontro”. Dádiva dos deuses! Dádiva dos céus! É exagero? Não, quando
se trata de dois monstros consagrados do mundo da música e da poesia. Com
graça, com arte, com humor desconcertante eles foram cantando e recitando em
voz alta, cada um ao seu estilo. Momentos de saudade: parafraseando Calderón de
La Barca, a dizer que “A vida não só sonhos, são saudades também”.
Nesse bate-papo descontraído, o
poetinha ria e fazia rir das dificuldades cotidianas dos portugueses,
notadamente no que se refere ao formalizo, e pede para que “desengravatem!”. Ao
mesmo tempo, enaltece-os: “... povo com tremendo anseio de viver, de aparecer,
de reaparecer na história. Um povo que deu um poeta como Luís Camões, que todo
cancioneiro português antigo o conhece tão bem e do qual eu me embebi, que
sofri uma grande influência”.
Detalhe: fez-me comover quando ele disse
que era um homem meio sem pátria e que sua pátria era a humanidade, e completa,
despedindo-se dessa trupe musical: “Vivam! Amem, amem-se! Rompam as tradições!
Rompam os preconceitos! E aí eu tenho a impressão que cada um vai se tornar
mais feliz”.
Esse jeito de gente boa e de
filósofo malandro, com esteio na boemia criativa dos anos 60, fez com que a
carreira diplomática fosse incompatível. Porém, em compensação, sua obra deixou
marca nas cabeças de sua geração e das gerações vindouras. Virando símbolo, o
máximo de excelência.
LINCOLN CARTAXO DE LIRA
Advogado e mestre
em Administração
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