domingo, 3 de maio de 2015

O grande encontro

            Belisque-me para ver se não estou sonhando! Foi assim que me senti quando escutei o CD presenteado por um amigo lusitano, no qual registrava o encontro de Vinicius de Morais e Amália Rodrigues, ocorrido em 19 de dezembro de 1978, na casa (em Lisboa) dessa magistral cantora portuguesa.
            Numa “concertación” impecável, sufocada pela efervescência intelectual e musical, foi a marca desse grande encontro, que mostra aquele Vinicius detentor de uma inteligência privilegiada, de uma verve inesgotável, personalidade de “bom vivant” e de altíssimo astral, e a encantadora Amália, de voz cristalina, pessoalidade marcante, onde eleva o Fado (que a tornou famosa) à mais alta categoria artística.
            Chuvas de palmas! Trovoadas de palmas! Quando o nosso poeta - acompanhado por excelentes instrumentistas da constelação da música popular portuguesa que já lhe aguardavam festivamente - começou a cantar “Para quê chorar”. Em seguida declamou o poema “Monólogo de Orfeu” e depois “O dia da criação”. Naquela interativa conversa amorosa e fraterna, a pedido do próprio Vinicius, brilhantemente Amália canta “Gaivota” e outras canções memoráveis.
            Como Vinicius sentenciou: “Viver é a arte do encontro”. Dádiva dos deuses! Dádiva dos céus! É exagero? Não, quando se trata de dois monstros consagrados do mundo da música e da poesia. Com graça, com arte, com humor desconcertante eles foram cantando e recitando em voz alta, cada um ao seu estilo. Momentos de saudade: parafraseando Calderón de La Barca, a dizer que “A vida não só sonhos, são saudades também”.
            Nesse bate-papo descontraído, o poetinha ria e fazia rir das dificuldades cotidianas dos portugueses, notadamente no que se refere ao formalizo, e pede para que “desengravatem!”. Ao mesmo tempo, enaltece-os: “... povo com tremendo anseio de viver, de aparecer, de reaparecer na história. Um povo que deu um poeta como Luís Camões, que todo cancioneiro português antigo o conhece tão bem e do qual eu me embebi, que sofri uma grande influência”.
            Detalhe: fez-me comover quando ele disse que era um homem meio sem pátria e que sua pátria era a humanidade, e completa, despedindo-se dessa trupe musical: “Vivam! Amem, amem-se! Rompam as tradições! Rompam os preconceitos! E aí eu tenho a impressão que cada um vai se tornar mais feliz”.
            Esse jeito de gente boa e de filósofo malandro, com esteio na boemia criativa dos anos 60, fez com que a carreira diplomática fosse incompatível. Porém, em compensação, sua obra deixou marca nas cabeças de sua geração e das gerações vindouras. Virando símbolo, o máximo de excelência.


                                                             LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                                            lincoln.consultoria@hotmail.com

                                                               Advogado e mestre em Administração

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