segunda-feira, 4 de novembro de 2013

O poeta cientista


       Lembro com carinho e muita saudade de Seu Hélio Guimarães, uma pessoa muito querida de nossa família, cantando de forma arrebatadora: “De noite/Rondo a cidade/A te procurar/Sem encontrar/No meio de olhos espio/Em todos os bares/Você não está...”. Tem gente que diz que é o hino de São Paulo. É a história de uma prostituta que vai matar o amante. Uma música que impregnou corações e mentes.
            Foi a partir daí, ouvindo pela primeira vez essa canção chamada “Ronda”, que passei a conhecer um pouco da obra de Paulo Vanzolini – poeta, compositor e zoólogo. Embora seja autor de mais de 70 músicas, ele não se considerava um profissional da área. Doutor em biologia pela Universidade de Harvard, a zoologia foi a sua grande paixão, mas nunca deixou de apreciar a boa música junto com a boemia.
            A hipocrisia e o pedantismo é que mais me incomoda, pois o referido compositor não os tinha, e procurava demonstrar que não tinha esses “atributos” tão instigantes no meio artístico. A música “Ronda” que se tornou um clássico do samba paulista, serviu de inspiração para outra obra que retrata a capital paulista, “Sampa”, de Caetano Veloso. Porém, com seus lábios entreabertos esboçando àquele sorriso, dizia: “Uma música é considerada plágio quando tem oito compassos de outra. ‘Sampa’ tem quatorze compassos de ‘Ronda’. É uma citação”.
            Foi em “mil novecentos e Araci de Almeida”, brincava aos sorrisos Seu Hélio, ao referir e cantar o samba “Volta Por Cima”, outro notável sucesso de Paulo Vanzolini: “Reconhece a queda/E não desanime/Levanta, sacode a poeira/Dá volta por cima...”. É uma daquelas canções que a gente ouve e jamais esquece.
            Para nós, pensadores contemporâneos, trocando em miúdos, tais versos traduzem: se alguém lhe fecha a porta, não gaste energia em vão, procure as janelas. Lembre-se da sabedoria da água: a água nunca discute com seus obstáculos, mas os contorna. Ou melhor, ainda: se um projeto não dê certo, respire fundo e parta para um novo projeto. Não se dê tempo para se sentir derrotado, “nem a pau!”.
            Olha, neste papo-cabeça, como diz a garotada por aí, vejo que o compositor Paulo Vanzolini faz parte da linhagem artística com Tom Jobim, pondo em prática os ensinamentos que recebera de Heitor Villa-Lobos sobre o “ouvido de dentro” não tem nada a ver com o “ouvido de fora”.
            Às vezes, paro e pergunto: por que não a parece outros poetas da música como Paulo Vanzoline? Será que a fonte secou? Ou até quando vamos ter que aturar a pobreza melódica cheia de gracinhas e vazia de conteúdo?


LINCOLN CARTAXO DE LIRA
Advogado e Administrador de Empresas

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