O
escritor, jornalista e cineasta Fernando Sabino (1923-2004) teve uma vida
literária produtiva. Publicou crônicas, contos, romances, além ser músico
(saxofonista).
Não por outro motivo, Carlos
Drummond de Andrade afirmou que o referido escritor havia achado “a palavra
leve, a frase limpada, o ritmo discreto da prosa, que só se alcança quando se
consegue atirar para longe todo artifício e brilho aparente”.
Um passeio pelo mundo literário, eu
pincei dos meus guardados a minha crônica predileta de Fernando Sabino chamada
“A mulher do sueco”, que aqui pelo licença (faço questão) de publicá-la. Vejam
a seguir.
Contaram-me que na rua onde mora (ou
morava) um conhecido e antipático general de nosso Exército morava (ou mora)
também um sueco, cujos filhos passavam o dia jogando futebol com bola de meia.
Ora, às vezes acontecia cair a bola
no carro do general e, um dia, o general acabou perdendo a paciência, pediu ao
delegado do bairro para dar um jeito nos filhos do sueco.
O delegado resolveu passar uma
chamada no homem e intimou-o a comparecer à delegacia. O sueco era tímido e,
pelo aspecto, não parecia ser um importante industrial, dono de grande fábrica
de papel (ou coisa parecida), o que realmente ele era.
Obedecendo à ordem recebida,
compareceu em companhia da mulher à delegacia e ouviu calada tudo que o
delegado tinha a dizer-lhe, o seguinte:
-O senhor pensa que só porque o
deixaram morar neste país pode logo ir fazendo o que quer? Nunca ouviu falar
numa coisa chamada AUTORIDADE DESCONSTITUIDAS? Não sabe que tem de conhecer as
leis do país? Não sabe que existe uma coisa chamada EXÉRCITO BRASILEIRO que o
senhor tem de respeitar? Que negócio é este? Então é ir chegando assim sem mais nem menos e fazendo o que bem
entende, como se isso aqui fosse a casa da sogra? Eu ensino o senhor a cumprir
a lei, ali no duro: dura Lex! Seus filhos são uns moleques e outra vez que eu
souber que, andaram incomodando o general, vai tudo em cana. Morou? Sei como
tratar gringos feito o senhor.
Tudo isso com voz pausada, reclinado
para trás, sob o olhar de aprovação do escrivão a um canto. O sueco pediu (com
delicadeza) licença para se retirar. Foi então que a mulher do sueco interveio:
-Era tudo que o senhor tinha a dizer
ao meu marido?
O delegado apenas olhou-a espantado
com o atrevimento.
-Pois então fique sabendo que eu sei
tratar tipo como o senhor. Meu marido não é gringo nem meus filhos são
moleques. Se por acaso incomodaram o general, ele que viesse falar comigo, pois
o senhor também está nos incomodando. E fique sabendo que sou brasileira, sou
prima de um major do Exército, sobrinha de um coronel e FILHA DE UM GENERAL!
Morou?
Estarrecido, o delegado só teve
forças para engolir em seco e balbuciou humildemente:
-Da ativa, minha senhora?
E ante a confirmação, voltou-se para
o escrivão, erguendo os braços desalentados:
-Da
ativa, Motinha! Sai dessa...
Enfim,
eu até me penitencio com a obrigação de reabastecer minha modesta biblioteca
com as obras desse extraordinário escritor. Peço Perdão!
LINCOLN CARTAXO DE
LIRA
Advogado,
administrador e escritor
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