quinta-feira, 8 de abril de 2021

A mulher do sueco

            O escritor, jornalista e cineasta Fernando Sabino (1923-2004) teve uma vida literária produtiva. Publicou crônicas, contos, romances, além ser músico (saxofonista).

            Não por outro motivo, Carlos Drummond de Andrade afirmou que o referido escritor havia achado “a palavra leve, a frase limpada, o ritmo discreto da prosa, que só se alcança quando se consegue atirar para longe todo artifício e brilho aparente”.

            Um passeio pelo mundo literário, eu pincei dos meus guardados a minha crônica predileta de Fernando Sabino chamada “A mulher do sueco”, que aqui pelo licença (faço questão) de publicá-la. Vejam a seguir.

            Contaram-me que na rua onde mora (ou morava) um conhecido e antipático general de nosso Exército morava (ou mora) também um sueco, cujos filhos passavam o dia jogando futebol com bola de meia.

            Ora, às vezes acontecia cair a bola no carro do general e, um dia, o general acabou perdendo a paciência, pediu ao delegado do bairro para dar um jeito nos filhos do sueco.

            O delegado resolveu passar uma chamada no homem e intimou-o a comparecer à delegacia. O sueco era tímido e, pelo aspecto, não parecia ser um importante industrial, dono de grande fábrica de papel (ou coisa parecida), o que realmente ele era.

            Obedecendo à ordem recebida, compareceu em companhia da mulher à delegacia e ouviu calada tudo que o delegado tinha a dizer-lhe, o seguinte:

            -O senhor pensa que só porque o deixaram morar neste país pode logo ir fazendo o que quer? Nunca ouviu falar numa coisa chamada AUTORIDADE DESCONSTITUIDAS? Não sabe que tem de conhecer as leis do país? Não sabe que existe uma coisa chamada EXÉRCITO BRASILEIRO que o senhor tem de respeitar? Que negócio é este? Então é ir chegando assim  sem mais nem menos e fazendo o que bem entende, como se isso aqui fosse a casa da sogra? Eu ensino o senhor a cumprir a lei, ali no duro: dura Lex! Seus filhos são uns moleques e outra vez que eu souber que, andaram incomodando o general, vai tudo em cana. Morou? Sei como tratar gringos feito o senhor.

            Tudo isso com voz pausada, reclinado para trás, sob o olhar de aprovação do escrivão a um canto. O sueco pediu (com delicadeza) licença para se retirar. Foi então que a mulher do sueco interveio:

            -Era tudo que o senhor tinha a dizer ao meu marido?

            O delegado apenas olhou-a espantado com o atrevimento.

            -Pois então fique sabendo que eu sei tratar tipo como o senhor. Meu marido não é gringo nem meus filhos são moleques. Se por acaso incomodaram o general, ele que viesse falar comigo, pois o senhor também está nos incomodando. E fique sabendo que sou brasileira, sou prima de um major do Exército, sobrinha de um coronel e FILHA DE UM GENERAL! Morou?

            Estarrecido, o delegado só teve forças para engolir em seco e balbuciou humildemente:

            -Da ativa, minha senhora?

            E ante a confirmação, voltou-se para o escrivão, erguendo os braços desalentados:

-Da ativa, Motinha! Sai dessa...

Enfim, eu até me penitencio com a obrigação de reabastecer minha modesta biblioteca com as obras desse extraordinário escritor. Peço Perdão!

 

                          LINCOLN CARTAXO DE LIRA

                                  Advogado, administrador e escritor

                                  

 

           

            

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