quarta-feira, 14 de abril de 2021

A inesquecível curuba

 

            Quase trivial: num dos semáforos da Av. Ruy Carneiro depararmos com crianças tentando imitar alguma técnica circense, visando obter para si algumas parcas moedinhas. E sob o olhar pidão e triste ficamos até embatucado diante da campanha institucional: “Não dê esmola, dê oportunidade”.

            Lembro-me bem, e parece ter sido ontem, ao ver uma dessas crianças se contorcendo com uma danada de coceira sem fim, traz à memória, lá pelos meus 12 anos, na cidade de Cajazeiras, quando fui apanhado por um surto dessa “coçagem”, chamada estranhamente de curuba (afecção cutânea contagiosa, parasitária).

            Tal coceira era de um efeito tão inusitado e devastador. Começou pelas coxas, depois passou para as virilhas, espalhou-se em direção às nádegas, dando uma escapada para os órgãos genitais.

            Verdade, quem me via se coçando caia na gargalhada. Falava: “E aí meu irmão, o que está acontecendo?”.  Hoje, vejo que o velho Ataulfo Alves tinha mais do que razão. A maldade dessa gente é mesmo uma arte.

            Não se tratava, portanto, de uma comichãozinha qualquer. Na viagem pela parte anterior do tórax era uma fricção intensa, que me levava a chorar e a se coçar até se ferir e sangrar.

            Mesmo submetendo-me a um rigoroso tratamento com ervas medicinais, entre elas o sumo das folhas do melão Caetano, continuei travando (por dias) aquele combate inútil (em que pese o hercúleo esforço) entre o desejo de não sofrer e a vontade louca de se coçar, mais parecendo uma volúpia compulsiva.

            -Eeeiiita!!! Onde você pegou isso, meu filho??? – Perguntou assustada a minha querida mãe, dona Aila.

            Essa questão vagueava no inconsciente. Quando de repente, assim mesmo, não mais que de repente, recordei-me que no dia anterior um “fator extra-campo”, como se evoca no futebol, ao participar de uma tradicional pelada, no decorrer da partida, tive o meu calção rasgado, e para continuar jogando recorri ao meu coleguinha de turma chamado Griguilim (apelido) para que ele me emprestasse o seu calção. Na hora, gentilmente, fui atendido. E ele ficou com o meu, enquanto terminava a partida.

            À guisa de registro, o nosso Griguilim, de estatura diminuta para sua idade, desengonçado, figura carismática que, em vão, procurava dar um show de acrobacia, como mascote, à frente de nossa banda marcial do colégio Monsenhor Constantino Vieira. Pois, antes de começar o desfile a todos os pulmões berrávamos o Hino da Bandeira.

            Voltando à curuba. E pelo que ainda consigo lembrar, foi, sim, o inesquecível e terrível calção que me provocou todo esse aperreio de nitroglicerina pura.

            Em tempos liberais e modernos, era interessante que ocorresse um pequeno surto dessa coceira na casa do Big Brother, a fim de satirizar já o debochado ambiente. Como diria aquele colunista estonteado: “Seria uma loucuuuuura!”.

 

                                           LINCOLN CARTAXO DE LIRA

                                                      Advogado, administrador e escritor

 

           

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