quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

O “fura-fila” da vacinação

        Essa prática, lamentavelmente, faz parte da cultura brasileira, um fenômeno chamado jeito ou jeitinho. Trata-se de uma índole latente do nosso povo que atua como uma força motriz ou inibidora do seu comportamento. 

            É o tipo de pragmatismo tupiniquim: se dá certo é certo, sendo que “dar certo” equivale a “resolver meu problema”, ainda que censurável e desrespeitoso.  

            A vacinação será um processo longo, difícil e sujeito a falhas. Haverá, também, sacanagens. Como já era esperado, multiplicam-se os relatos de casos de pessoas que estariam furando a fila da vacina. Não há dúvida de que desrespeitar a ordem de prioridades constitui grave violação ética e, em algumas situações, se houver a participação de autoridades, pode caracterizar também irregularidade administrativa e até delito. 

            Os noticiários têm informado que entre os transgressores (fura-filas) estariam pessoas fora da área de saúde e também profissionais de saúde, incluindo médicos que não atuam diretamente na linha de frente do atendimento de pacientes suspeitos ou com Covid-19. É nada menos que uma bofetada no mundo da vida. 

            Como diz José Simão, precursor do humor jornalístico: ”Mudança no plano de vacinação! Na fase zero, serão vacinadas as famílias dos prefeitos do interior. Se uma cidadezinha recebe 39 doses, o prefeito já separa cinco pra família! Isso mesmo. Brasileiro não tem senso de coletividade. E mais essa: Miss Amazonas posta vídeo sendo vacinada e polemiza nas redes. ‘Miss é prioridade! E ela é blogueira’”. 

            Diante dessa vergonha dos “fura-filas”, temos grandes exemplos, como desse médico: “Apesar de ser de uma faixa etária de risco relativamente mais elevado para a Covid-19, resolvi agradecer e dizer não. A dose que, eventualmente, iria para o meu braço na semana passada pode ser dada a alguém na linha de frente. Essa é a lógica para qualquer doença quando se estabelece um plano de vacinação”. 

            É um egoísmo imenso passarem à frente. E um médico sabe muito bem disso. Logo, se fura a fila é de caso pensado, um crime contra a saúde pública. Desprovido de qualquer sensibilidade e razoabilidade. 

            Sem meias palavras, nosso problema é o oportunismo de visão curta, para quem tanto faz deixar a saúde, a ciência e a educação nas mãos de idiotas e incompetentes, porque acredita que sempre poderá vacinar a família e educar os filhos em outro lugar. 

            Municípios são mais vulneráveis às pressões políticas e econômicas locais. Na falta de doses suficientes da vacina, os exemplos vistos nesta semana mostram que outros interesses, que não público e sanitário, podem prevalecer.  

É preciso uma vigilância atenta e punitiva. O Brasil precisa dessa profilaxia, dessa limpeza, para dar credibilidade ao próprio povo brasileiro e a comunidade internacional. 

            O recado não poderia ser mais claro: furar a fila é feio demais e pronto! Indefensável. 

 

                                          LINCOLN CARTAXO DE LIRA 

                                         Advogado, administrador e escritor 

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