quarta-feira, 2 de setembro de 2015

O recluso de "Garota de Ipanema"

            A maior estrela da bossa nova, João Gilberto, acaba de completar 84 anos. Um vídeo postado na internet mostra esse talentoso artista em seu apartamento no Leblon, usando um surrado pijama de xadrez, acompanhando ao violão sua filha Luisa Carolina, de nove anos, canta a famosa canção “Garota de Ipanema”.
Os jovens que assistem ao vídeo, não têm ideia quem foi esse cara que, em 1958, há 57 anos, inaugurou um novo estilo musical, com uma batida diferente no violão, cantando baixinho, de forma sussurrada, deixando para trás aquelas interpretações bonitas, muitas vezes exageradas, dos cantores de voz potente que imperavam na música brasileira. Criando, assim, uma sonoridade original e única. Deixando boquiabertos e encantados todos os que possuem sensibilidade aguçada e bom gosto musical. Confesso: virei seu fã de carteirinha.
            Afastado completamente dos palcos e dos discos, vive solitário em seu apartamento. Quando se dirige a alguém, fala com uma franqueza assustadora e quase rude. Pode ser a forma encontrada de se despir, de eliminar o que não é essencial. Levando-o a ficar triste, isolado, deprimido ou zangado. A imprensa vulgar, por sua vez, não o perdoa, criando um ambiente de fofoca, maledicência, hipocrisia e outras práticas espúrias que denigrem a imagem do ser humano. Não aceito, não consigo aceitar.
            Não é preciso ser nenhum Sigmund Freud para testar que somos animais sociais e o desejo de conexão com os outros é um impulso forte e inato. Não fomos feitos para viver isolado, e trabalhamos duro para ser socialmente aceitos. Principalmente tratando-se de João Gilberto que é uma lenda da nossa cultura musical.
            Quem não se lembra do filme “Náufrago”? O personagem de Ton Hands sofre um acidente de avião e vai parar em uma ilha no Pacífico Sul. Ele vive ali sozinho por vários anos. Ao encontrar uma bola de vôlei que é trazida pelas ondas, pinta sobre ela um rosto e passa a conversar com o objeto. Como a bola é de marca Wilson, ele acaba chamando seu “amigo” de Wilson. Sem pessoas reais com quem interagir, ele precisou criar alguém.
            É... Mas, seja como for, vamos é ter orgulho de João Gilberto, ter inveja, jamais fazer chacota. A esta altura (da sua idade), nada soaria mais respeitoso aceitá-lo como é: recluso.

                                                                LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                                                lincoln.consultoria@hotmail.com
                                                                   Advogado e mestre em Administração
           
           


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