segunda-feira, 23 de março de 2015

Drama do amigo

            Ia caminhando devagar pelo calçadão da praia de Manaíra. Era Sábado, por volta de sete horas da manhã. Detalhe: a manhã era perfeita entre as mais perfeitas, quando de repente, não mais que de repente, dei de cara com um velho amigo, que não o via há quase dez anos.
            Decerto, sorrimos e nos abraçamos. Em pleno estado de graça ele gritou com alma, como se saudasse o nascimento de um mundo novo:       
            -Que maravilha, encontrá-lo depois de tanto tempo!
            Cá com os meus botões, jamais poderia esquecer-se dessa figura mais derramada da vida: em estado de quase sobriedade, me falava do sucesso alcançado na sua profissão; quando bebia um pouco mais me falava de suas peripécias amorosas – bravateando, é claro!
            Conversa vai, conversa vem sobre amenidades, e nessa interatividade nostálgica cheguei então a fazer a seguinte pergunta:
            -É verdade que o amigo teve problemas com a bebida?
            Silêncio. Ele franziu a testa como quem chupou limão azedo, abriu os olhos míopes, sem entender. Quando entendeu, virou-se devagar e bradou:
            -Não. Eu e ela nos damos muito bem. O problema é minha esposa.
            Endiabrado, seus olhos se arregalaram, sua respiração ficou ofegante, gaguejou um pouco como se tivesse visto um bicho de marte. E revelou:
            -Pasme! Recentemente, um cabo da polícia militar, lá da minha cidade, alertou-me que minha consorte teria comprado um revólver e estava, por sua vez, praticando tiro ao alvo. Tudo isso por causa de seu ciúme doentio. Dá para acreditar?
            Que ultraje! O homem estava conspicuamente transtornado. Em estado fóbico, olhou para cima com intenção de ver se tinha alguma câmara (estilo BBB) bisbilhotando, observando, vigiando... Era como se tivesse também entrado em parafuso por causa desse terrível mal chamado irreverentemente de “camerafobia”.
            Nossa! Seus olhos ficaram brilhantes, úmidos, mas a lágrima não se formou. Por um instante achei que estava doido, doido de pedra. Parada no tempo, pelas miudezas do cotidiano que tanto nos afligem.
            No meu fraco raciocínio, interpretei isso como caso de teatralidade ou uma ilusão envolvida pelo ralo de uma difusa verdade. Forçado por uma risada ruidosa, contrapondo sua expressão desgostosa, assim me despedi:
            -Sinal dos tempos, meu amigo. Sinal dos tempos...


                                                                                  LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                                                                   lincoln.consultoria@hotmail.com
                                                                               Advogado e mestre em Administração


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