Dia
destes, assim de repente, fechei os olhos, levantei a cabeça para cima como se
estivesse rezando e passei a cantarolar “Agora eu sei/Sei, sei, sei, sei/Agora
eu sei/Que você sempre me enganou”, versão da canção “I’ve been hurt”, o hit
principal do álbum The Fevers, de 1969, chamado “Os reis do baile”.
Lembro-me bem do lançamento desse
disco (vinil) porque foi o ano em que eu aqui cheguei para residir/estudar nesta agradável e amada
cidade, após ter deixado a minha inesquecível terra natal, Cajazeiras. Apesar de toda a opressão do governo militar,
era o tempo atemporal dos sonhos, esperanças e fantasias.
Nessa década de 60, predominava o
mercado de versão no Brasil. Os artistas preparavam versões antes que as
músicas originais chegassem às lojas. Os produtores subornavam funcionários de
outras gravadoras para ter acesso aos acetatos (discos “modelo”, que serviam de
base para a prensagem de LPs) de futuros lançamentos. Os Carbonos – a exemplo
também de Ronnie Von, Jorge Bem, Eduardo Araújo, The Fevers, Os Incríveis, Renato
e Seus Blue Caps, Os Gonden Boys e outros – decoravam as músicas e corriam para
gravá-las no estúdio. Todo mundo se esbaldava ouvindo aquelas canções.
Já no meado da década de 70, surgiu
o preconceito contra a música cantada em português. Posso dizer que era
incrivelmente desimportante. O inglês imperfeito não era barreira. “Estudei
inglês quando garoto, mas falar mesmo eu não falava. Eu mal sabia o que estava
cantando”, confessa Dudu França. O grupo Pholas escrevia letras juntando frases
tiradas de um velho livro de conversações em inglês. Fábio Jr. revelou que
evitava conversar com as fãs, para que não percebessem que Mark Davis não era
americano: “Eu dava autógrafos, mas não podia falar nada com elas. Era tudo
rápido, e de óculos escuros”.
Outro caso interessante é do cantor
Chrystian, da dupla Chrystian e Ralf, que foi gravar um disco nos Estados
Unidos, e quando terminou o trabalho, um técnico do estúdio lhe perguntou
alguma coisa, ele, por sua vez, como não falava uma palavra de inglês,
permaneceu mudo. O sujeito ficou impressionado: “Como assim? A pronúncia dele é
perfeita!”.
Essa espécie de “fast food” de filosofia
americanizada, seguida pelos falsos estrangeiros, embora execrado pela crítica
da época, foi importante para o desenvolvimento da indústria de discos do País.
Havia outro fator que incentivava as gravadoras a lançar música em inglês:
canções estrangeiras não passavam pelo departamento de censura e, portanto, não
corriam risco de ser proibidas.
Bom. Posso ter dado uma tênue ideia de
que foi esse movimento que marcou a música brasileira e a minha geração.
LINCOLN CARTAXO DE LIRA
Advogado e mestre
em Administração
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