domingo, 17 de agosto de 2014

Os falsos gringos

Dia destes, assim de repente, fechei os olhos, levantei a cabeça para cima como se estivesse rezando e passei a cantarolar “Agora eu sei/Sei, sei, sei, sei/Agora eu sei/Que você sempre me enganou”, versão da canção “I’ve been hurt”, o hit principal do álbum The Fevers, de 1969, chamado “Os reis do baile”.
            Lembro-me bem do lançamento desse disco (vinil) porque foi o ano em que eu aqui cheguei para residir/estudar nesta agradável e amada cidade, após ter deixado a minha inesquecível terra natal, Cajazeiras.  Apesar de toda a opressão do governo militar, era o tempo atemporal dos sonhos, esperanças e fantasias.
            Nessa década de 60, predominava o mercado de versão no Brasil. Os artistas preparavam versões antes que as músicas originais chegassem às lojas. Os produtores subornavam funcionários de outras gravadoras para ter acesso aos acetatos (discos “modelo”, que serviam de base para a prensagem de LPs) de futuros lançamentos. Os Carbonos – a exemplo também de Ronnie Von, Jorge Bem, Eduardo Araújo, The Fevers, Os Incríveis, Renato e Seus Blue Caps, Os Gonden Boys e outros – decoravam as músicas e corriam para gravá-las no estúdio. Todo mundo se esbaldava ouvindo aquelas canções.
            Já no meado da década de 70, surgiu o preconceito contra a música cantada em português. Posso dizer que era incrivelmente desimportante. O inglês imperfeito não era barreira. “Estudei inglês quando garoto, mas falar mesmo eu não falava. Eu mal sabia o que estava cantando”, confessa Dudu França. O grupo Pholas escrevia letras juntando frases tiradas de um velho livro de conversações em inglês. Fábio Jr. revelou que evitava conversar com as fãs, para que não percebessem que Mark Davis não era americano: “Eu dava autógrafos, mas não podia falar nada com elas. Era tudo rápido, e de óculos escuros”.
            Outro caso interessante é do cantor Chrystian, da dupla Chrystian e Ralf, que foi gravar um disco nos Estados Unidos, e quando terminou o trabalho, um técnico do estúdio lhe perguntou alguma coisa, ele, por sua vez, como não falava uma palavra de inglês, permaneceu mudo. O sujeito ficou impressionado: “Como assim? A pronúncia dele é perfeita!”.
            Essa espécie de “fast food” de filosofia americanizada, seguida pelos falsos estrangeiros, embora execrado pela crítica da época, foi importante para o desenvolvimento da indústria de discos do País. Havia outro fator que incentivava as gravadoras a lançar música em inglês: canções estrangeiras não passavam pelo departamento de censura e, portanto, não corriam risco de ser proibidas.
            Bom. Posso ter dado uma tênue ideia de que foi esse movimento que marcou a música brasileira e a minha geração.

                                                              LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                                              lincoln.consultoria@hotmail.com
                                                                 Advogado e mestre em Administração
             
           

            

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