Lembro-me
como se fosse hoje, na década de 70, semanalmente à noite, o jornalista Flávio
Cavalcanti apresentando pela Rede Tupi de Televisão o programa “Um instante,
maestro!”, onde ficou popular quebrando discos de cantores após fazer críticas
severas.
Reli recentemente uma história, a
propósito, que muitos cantores temiam se apresentar nesse programa porque Flávio
Cavalcanti criticava impiedosamente certos discos (músicas), quebrando no ar os
famosos “bolachões” (discos LP) e compactos. Numa dessas vezes, um dos
convidados era o cantor Waldick Soriano, que fazia sucesso com “Eu não sou
cachorro, não”. Por não gostar de músicas consideradas “bregas” e era certo que
o seu disco seria também quebrado. Só que antes de começar o programa ele
avisou: “Se você quebrar meu disco, eu lhe acabo no pau”. O resultado que
Waldick cantou e o disco não foi destruído. Pense na batida de pino!
É fato - um tipo de folhetim a lá
Nelson Rodrigues - que os amores de Waldick Soriano viraram drama de gerações
de brasileiros. Sua figura de chapéu preto e óculos escuros foi adorada.
Passional, carismático e amargurado, deu o ponto de partida para uma linhagem de
cantores nacionais, enquadrada como artistas “brega”. Confessa que fez show em
todo canto do País: “Já cantei em casa de bacana e em puteiro de beira de estrada”.
Por talento do destino, como ele
explicava, as suas músicas embalam romances e desamores desde os anos 1960. Verdadeiro
percussor do movimento conhecido como “brega”, no qual seguiu Odair José, Almir
Rogério, Reginaldo Rossi, Sidney Magal, entre outros. Era um baiano boêmio,
mulherengo e bem-humorado que fez a trilha sonora do próprio sofrimento: “Toda
música minha tem alguma coisa de mim. Eu só faço música com motivo”.
Ao longo da vida, brilhou com mais
de 700 músicas, como “Torturas de Amor”, “Dama de Vermelho”, “A Carta”, “Eu
também sou gente”, além de “Eu não sou cachorro, não”, sua marca registrada. O
hit virou jargão em qualquer estado e foi cantada em inglês, por Falcão.
Ignorá-lo, por desconhecimento ou
por preconceito, é uma bobagem despropositada. O músico Zeca Baleiro (craque da
MPB) observou: “Por trás do personagem cafona, com cara de durão, óculos escuros
e chapéu de Durango Kid, havia um compositor fabuloso cujo repertório de
canções passionais não ficava a dever a nenhum dos consagrados autores de
bolero com reconhecimento internacional”.
Longe da pecha preconceituosa,
concluo que Waldick Soriano pertence a uma elite da música brasileira: a dos
que criaram uma obra que está na memória coletiva nacional. É o retrato símbolo
daquele que sobrevive excluído dos grandes planos da política brasileira.
LINCOLN CARTAXO DE LIRA
Advogado e Mestre
em Administração
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