domingo, 21 de agosto de 2011

O irreverente Noel Rosa

       Para os biógrafos, Noel sempre caminhava pela contramão. Do mau aluno do Ginásio São Bento, avesso a quase tudo o que a educação beneditina pregava (os preconceitos, o moralismo, a noção de pecado, as lições do catolicismo, a fé), ao jovem do bairro de Vila Isabel do Rio de Janeiro que adorava a boemia, e tinha na música popular a razão de sua vida.   Costumava dizer que “a vocação é necessária até para se dar o laço na gravata”. E ele cultuava, sim, essa consciência de vocação (no caso, para música), que a considerava como uma atividade diletante – exercício por idealismo.
Muito já se falou desse fenômeno musical. Nenhum outro artista de seu tempo – contrariando até o conceito nelsonrodrigueseano, segundo o qual “toda unanimidade é burra” – permanece por tanto tempo sendo citado, cantado, ouvido, estudado, discutido, admirado e criticado; apesar de ter gozado a vida terrena até os 26 anos.
Imagine só: Noel era daquele que ao chegar a sua casa, completamente bêbado, com os cabelos desgrenhados e cheiro de perfume feminino, a esposa alfinetava: “Que vergonha! Dê-me um só motivo digno para chegar aqui a essa hora?”. Romanceando a malandragem e o jeitinho brasileiro, respondia: “O café da manhã”.
Além da fama de músico, boêmio e mulherengo, possuía, também, o lado irreverente, zombeteiro, gozador. Como bem conta o músico Henrique Cazes. Vejam. O Noel Rosa deliciava-se varar noites e noites em rodas boêmias no cento do Rio. No comecinho dos anos 1930, conheceu por lá um taxista (ou chofer, como se dizia à época) chamado Malhado, metido ainda a músico.
Depois de muitas viagens com Malhado, tendo que suportar suas lamentações amorosas, Noel resolveu pregar uma peça no chofer. Escreveu uma música para que Malhado pudesse mostrar seus dotes a duas moças, filhas de um coronel de Vila Isabel.
No dia marcado, e depois de algum ensaio, os dois se encontram para a serenata. Noel disse que tocaria violão do outro lado da rua, para dar o destaque que a voz de Malhado merecia. Ao som das primeiras dedilhadas, Malhado soltou a voz, lendo num papel a letra escrita pelo companheiro: “Saí da tua alcova com o prepúcio dolorido/Deixando seu clitóris gotejante/De volúpia emurchecido/Porém, os gonococos da paixão/Aumentou minha tensão...”.
            O coronel, claro, não gostou nada da letra pornográfica dedicada a suas filhas. Surgiu na janela já de arma em punho. Malhado correu em disparada. Depois de algumas quadras, encontrou o Poeta da Vila. Esbaforido e assustadíssimo, exclamou: “Não entendi nada, o coronel saiu atirando”. E Noel sem perder a pose: “Isso é pra você ver o que é a falta de sensibilidade dessa gente...”.         


                                                     LINCOLN CARTAXO DE LIRA
                                                      lincoln.consultoria@hotmail.com
                                                       Advogado/Administrador de Empresas

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