Naquela época de colegial, puxando pela memória, no final da década de 1960, lá na cidade de Cajazeiras, estudante do Colégio Monsenhor Constantino de Vieira, tendo como diretor o inesquecível Padre Vicente (conhecido apenas assim, sem sobrenome), reverendo sisudo, totalmente careca, abria a boca sem mostrar os dentes. Com sua batina preta surrada, quase arrastando pelo chão, baforando, de vez em quando, seu charuto cubano (legítimo) ao velho estilo do cineasta Alfredo Hitchcock.
Era
absurdamente brabo. Um tsunami de ignorância. Pense no medo que todos nós
tínhamos de sua presença. Como não bastasse toda obrigação de praxe dos
estudos, tínhamos ainda que ir pra missa, fazer penitência, confessionário,
hóstia, e mais: buscava ele, incansavelmente, nos transformar em
verdadeiros santos do que um profissional
bem-sucedido de amanhã.
Foi
diante dessa “criatura de Deus” que ousei provocar, enfrentar a sua terrível
paciência e humor.
Nesses
idos, época em que se vivia uma vidinha pacata, estudava no turno da tarde,
quando resolvi, por traquinice, levar para a sala de aula um pequeno recipiente
(latinha cilíndrica de alumínio) cheio de um pozinho preto chamado exoticamente de tabaco. Ora, então,
utilizado pela minha mãe D.Aila como remédio no descongestionante nasal ou
quiçá no combate a inflamação na mucosa nasal.
Por
incrível que pareça e nada que se pareça é incrível que uma das
características fortes dessa fórmula (remédio) é que
ao inalar com certa intensidade causa uma série de espirros sem fim. Que
incomoda bastante levando até a chorar e a tossir.
Imagine
o fuzuê numa classe com 50 alunos. Onde a maioria espirrava ao mesmo tempo. Uma
comédia. A rigor, uma tragédia. Obviamente, a professora interrompeu a sua aula
e foi chamar logo quem, o indomável padre Vicente, para as providências
sumárias ao inapelável castigo.
Sim!
Tratando-se desse nosso diretor e religioso, não poderia vir coisa pior. E na
lengalenga de quem foi e quem não foi o responsável por tamanha astúcia, sem
pestanejar julguei, por bem, para não prejudicar todos os colegas, me antecipar
confessando-lhe espontaneamente a prática desse delito estudantil.
Num
misto de medo e apreensão, levando-me quase a um “blecaute mental”, fiquei na
hora tremendo, ofegando, suando, aguardando a minha sentença.
E de
mais a mais, apresentação espontânea e confissão da autoria, eu imaginava que
me valesse atenuante à peça condenatória. Nada! Que nada! Ledo engano.
Ou
seja: afora o fuzilamento verbal, fui penalizado (trânsito julgado, ali mesmo)
com a suspensão por três dias do colégio e, com agravante, ainda tive que ficar
trancado (a sós) por quatro horas na pequena sala de Estudos de Anatomia (com
pouca luz), sob vigilância de uma aterrorizante caveira humana.
Posteriormente,
já morando em João Pessoa, soube que a morte veio e o levou, sem que eu pudesse
relatar a esse grande educador, Padre Vicente, tal lembrança viva dentro de mim
como um pedaço gostoso de meu passado.
LINCOLN
CARTAXO DE LIRA
Advogado,
administrador e escritor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário