quinta-feira, 13 de maio de 2021

A primeira comunhão

 

                Revirando os meus arquivos, encontrei o livrinho “Lembrança da Minha Primeira Comunhão” – Editora Ave Maria, 1965. Já bem desgastado pelo tempo, mas bem presente na minha memória. 

            Nele, consta no seu introito uma promessa (julgamento): “Sou cristão. Prometo viver até a morte como bom católico, e ser sempre fiel aos seus ensinamentos de minha Santa Mãe, a Igreja Católica”. 

            Interessante como funciona a nossa memória. Às vezes não recordamos sequer a refeição que fizemos no dia anterior, mas têm coisas da nossa infância que ficam gravadas pra sempre na reminiscência, e que lembramos pro resto da vida. Por exemplo: A primeira comunhão. 

            Após o aprendizado elementar dos dogmas e preceitos da Religião Católica, estava eu lá, pronto e confiante para o ato de confissão, antes de receber a sagrada comunhão. Tendo o sacerdote (padre), representante de Jesus, e em seu nome, aguardava para nos perdoar todos os pecados e nos deixar com a alma e o coração devidamente purificado. 

            Não sei porque cargas-d ’água no dia marcado para a cerimônia da confissão, o padre paroquial de Cajazeiras não se encontrava, sendo substituído pelo Bispo Dom Zacarias Rolim de Moura, autoridade eclesiástica máxima da diocese. 

            Puxa vida, foi uma surpresa (a troca): não só para mim como para os demais candidatos à eucaristia. Todos tinham um medo danado desse reverendo, pelo fato dele ser extremamente sisudo, mal-humorado e de pouca conversa. 

            - Bobagem! Nós somos crianças... ele nada fará contra a gente... a não ser aplicar o castigo da penitência (rezas, muitas rezas) – assim me manifestei. 

            Dirigindo-me ao confessionário, na cara-de-pau (como se diz por aí), ajoelhei à sua frente quase apoiando em suas pernas, e nesse tête-à-tête, separado apenas por uma pequena cortina de seda vermelha, ele foi logo ao âmago da questão: 

            - Filho, conte-me toooodos os seus pecados? 

            - Tá bem! – Sentindo na barriga aquele friozinho da inconsciência, da travessura, comecei na ocasião a discorrer sobre os meus atos pecaminosos. Sempre tentando fazer um “mea-culpa”. Cônscio de estar longe do famoso Juquinha, o menino safado que só pensava “naquilo”. 

            Como se não bastasse, já pesaroso, o confessor falou-me que, para alcançar a plenitude do perdão, eu teria que revelar todos os meus pecados... Sem deixar nenhum! 

            Quis-se que o deseja fosse realidade. E na hora do “vamo-vê”, numa verdadeira sinuca de bico, minhas pernas começaram a tremer, a boca a secar e o coração a palpitar numa aceleração descomunal, e eis o resultado: 

            - Coooomo? – Naquele silêncio sepulcral de igreja, gritou o nosso bispo a plenos pulmões, e mais: 

            - Não é possíííível!!! 

            A partir de então, no clima de resolução e lavagem de roupa suja, foi desvelado o segredo do sumiço das pinhas do sítio existente no Palácio Episcopal. E como punição (penitência): fiquei de joelho por duas horas rezando, de cor e salteado, as orações para todo tipo de santo. 

 

                                             LINCOLN CARTAXO DE LIRA 

                                                   Advogado, administrador e escritor. 

 


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