Lamentavelmente
este filme eu já vi: quando ocorre uma tragédia - como da cidade de Santa Maria
- fala-se logo em mudar a legislação, criar novas leis. Tudo besteira. O que
falta é obedecer às normas e uma fiscalização séria, sem tolerância, sem o
famoso jeitinho brasileiro.
Não tenho nenhuma afinidade com
futurologia e sofro de aversão a previsão, sobretudo quando anunciam que, daqui
pra frente, a vigilância vai ser mais rigorosa. E aí, com o tempo, o ímpeto
vigilante arrefece e as coisas voltam mais ou menos ao que era antes.
Como sempre, sempre, sempre ocorre,
de quem é a culpa pelo infausto? Culpa da banda que usou fogos artifícios no palco.
Culpa dos donos da boate Kisse que construíram o espaço de lazer com material
combustível e permitiram o uso de tais artefatos. Culpa das autoridades
fiscalizadoras que se apequenaram em não cumpriu fielmente o seu mister.
Estou sendo até muito reservado em
avaliar a justa dimensão desse episódio. Sei que algum leitor vai tirar onda e
dizer que estou sempre dando notícias velhas, que estou mais enferrujado do que
minha última Remington. E o que é pior, ele está certo. Uma vez que a cultura
da transgressão é uma prática ordinária e desonesta em nosso dia a dia.
No atacado, deplora-se a constatação
da prevalência do lucro a qualquer custo sobre o direito de viver. É um tipo
cinismo autorizado, um maquiavelismo abominável, em função de objetivos
considerados maiores, com a idéia de que os fins justificam os meios. No caso
da tragédia de Santa Maria os “seguranças”, supostamente orientados pelos
donos, não teriam permitidos que ninguém saísse sem apresentar a quitação de
suas comandas.
A história do marechal Charles de
Gaulle tornou-se clássica. Num dado momento, lançou a dúvida: “O Brasil é um
país sério?”. Muito de nós ficamos chocados. Mas, volta e meia, essa frase
torpe nos abate, quando se olha para trás com olhos decepcionados de quem, no
final das contas, vê-se obrigado a dizer que nada acontece, e que nós não
levamos as coisas tão à sério.
Diante dessa vergonha, me vi tentado
ainda a desabafar. Assim: essa tragédia é fruto da nossa profunda corrupção
pessoal e política, da gaiatice a qualquer tema ligado à segurança, da nossa
incapacidade de levar qualquer coisa a sério que não envolva lucro imediato.
De modo breve, pouco se pode
acrescentar ao essencial da dor humana, além de palavras de compaixão e consolo
a que somente o tempo será capaz de conferir aos familiares das vítimas dessa
história escabrosa.
LINCOLN
CARTAXO DE LIRA
Advogado
e Administrador de Empresas
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