Com seu dom extraordinário para a
escrita, Nelson Rodrigues tornou-se um dos mais complexos tradutores da alma
humana, seja como jornalista, dramaturgo, cronista ou contista. É difícil não
se deleitar com qualquer texto de sua lavra. Com destaque para a rica
estilização do dialeto urbano.
A partir de miudezas cheias de
significado, publicava sem temor suas opiniões, por mais radicais e polêmicas
que fossem. Atacava personagens nos quais via a hipocrisia da época. E olha só:
pela linguagem desafiadora e incômoda, não perdoava seus novos e antigos amigos
e inimigos. Ele chegava sempre com um “timing impecável”.
Até hoje seus comentários merecem
reflexão e discussão. Concorde-se ou não, pelo menos, num ponto, há uma
confluência de opiniões, no que tange a capacidade que Nelson Rodrigues tinha
para traduzir as complexidades brasileiras em poucas palavras. Parece que ele
nasceu com o chip de ironias e provocações bem-humoradas. A exemplo do vezo
filosofante burlesco de nosso “complexo de vira-latas”.
No bom sentido. E no mau.Tenho a
mais convicta das certezas de que se Nelson fosse vivo transformaria o Brasil
em anedota, diante da atual classe política tradicional, profundamente
impopular e desacreditada; sem falar do festival de argumentos fajutos e de
euforias artificiais dessa trupe.
Sobre a morte, assim ele se
manifestou: “desde garoto sou fascinado pela morte. Em vez de ter medo, ia
peruar enterro. Não tinha medo nenhum, e volta e meia me infiltrava nos
velórios. Achava uma coisa fantástica a chama das velas. Hoje os nossos
velórios perderam isso, é tudo luz elétrica. Uma falta de respeito. Antigamente
havia os gemidos na hora do enterro. Era apaixonante”.
Quanto à ditadura da beleza,
exigindo medidas perfeitas, corpos magros, dizia: “nenhum gordo gosta de ser
gordo. Sobe na balança e tem um incoercível pudor, uma vergonha convulsiva do
próprio peso. No entanto, pior do que ser gordo é ser magro, que são pessoas
perigosas, suscetíveis de paixões, de rancores, de fúrias tremendas. A banha
lubrifica as reações, amacia os sentimentos, amortece os ódios, predispõe ao
amor. Na verdade, há uma relação sutil, mas indiscutível, entre a barriga e o
êxito, entre a barriga e a glória”.
No centenário desse autor das teses
rodriguianas, falar que não gosta da sua obra é de um cinismo piegas e
ideológico de quem não se deu ao trabalho de ler a sua produção literária e o
mais difícil: entendê-la.
LINCOLN CARTAXO DE LIRA
Advogado
e Administrador de Empresas
Nenhum comentário:
Postar um comentário