Sou de
um tempo em que o tradicional concurso de Miss Brasil chamava à atenção de
todos, ainda hoje realizado anualmente sem o mesmo brilho, e que visa eleger
uma representante da beleza feminina de cada unidade federativa do país. Em
seguida, a vencedora vai disputar a edição de Miss Mundo.
Destacando-se, nesse certame, Marta
Rocha (1932-2020), a miss eterna de espetacular beleza e imensa sintonia com os
fãs, a quem encheu de alegria e orgulho quando tudo no Brasil dava errado.
Imagine um país em momento de alta
turbulência política, com o moral machucado por derrotas futebolísticas e em
posição subalterna diante dos Estados Unidos, a grande potência ocidental.
Assim era o Brasil em 1954, quando a baiana Marta Rocha, declarados 18 aninhos,
despontou na passarela com sua beleza esplendorosa e sorriso contagiante, e
dali alçou voo, levando nas asas a chance de lustrar a autoestima nacional.
Eu sei! Quase deu certo. A morena de
1,70 metro, cabelos claros e impactantes olhos azuis, vencedora incontestável
do primeiro concurso de Miss Brasil em décadas, recebeu a faixa de segundo
lugar no Miss Universo – realizado em Long Beach, na Califórnia, e vencido por
uma americana sem graça, Miriam Stevenson.
É curioso, para dizer o mínimo, uma
história inventada no calor da coroa perdida, a de que Martha só não ganhou
porque tinha 2 polegadas (5 centímetros) a mais no quadril do que as regras
permitam, o que salvou a honra brasileira. Ela foi abraçada na volta por uma
população encantada com sua musa e assim passou a vida, sempre miss, sempre
linda, até adoecer, se recolher e, finalmente, falecer.
Faço um adendo: na noite da quase
vitória de Martha Rocha, em Long Beach, 24 de julho de 1954, a seleção
brasileira tinha sido recém-desclassificada, nas quartas de final, da Copa do
Mundo da Suíça – isso com a nação de chuteiras ainda sentindo com a derrota
para o Uruguaia na final de quatro anos antes, em pleno Maracanã.
E como não bastasse, a política
atravessava ondas de choque, diante da enxurrada de denúncias cada vez mais
graves, e em tom cada vez mais desafiador, que encostava na parede o presidente
Getúlio Vargas. Vindo a se suicidar exatamente um mês depois, no Palácio do
Catete, no Rio.
Mas olha só, com tanta coisa ruim em
volta, Martha Rocha era o respiro popular, perfumado por sua aura de deslumbre
e carisma.
Depois de cultivar durante décadas a
balela das 2 polegadas, inventada por um jornalista para pacificar os leitores,
ela mesma desmentiu a história em sua autobiografia: “Nos Estados Unidos,
ninguém me tirou as medidas”. Nem fazia mesmo o menor sentido: a vencedora
tinha exatamente os mesmos 96 centímetros de quadril.
Mesmo sendo unanimidade nacional,
com direito a marchinhas de Carnaval, torta, bichos em zoológicos e modelos de
carro com seu nome, Martha teve uma vida de altos e baixos, mas sempre, sempre
sem perder a majestade.
LINCOLN CARTAXO DE LIRA